Capítulo 2

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Acordei com Carlos chacoalhando meus ombros. Por um momento pensei que havia acontecido alguma coisa, mas então avistei o sorriso em seus lábios. Tudo o que eu tinha conseguido na noite anterior foram 4 maçãs. Eu não podia pegar muita coisa, pois poderiam notar a diferença.

Conferi a hora no relógio da parede, eram 7 da manhã. Daria tempo de cuidar de Carlos e passar na feira para comprar algo com as moedas que eu tinha.

- Bete, hoje nós vamos pescar? - Carlos perguntou esperançoso. Eu estava completamente esquecida que nas quintas pescava com ele pela manhã. Quando a minha mãe era viva, nós saíamos para pescar toda semana. Eu e Carlinhos havíamos cancelado essa prática por algum tempo, mas desde a semana passada, estávamos de volta na praia, com nossas varas de pesca.

- Não sei se é uma boa ideia, como você está se sentindo hoje?

- Estou muito bem, meu resfriado já passou há mais de uma semana. Vamos, por favor! - implorou já pulando da cama, para provar que estava bem.

- Está bem, estou vendo que o chá que te dei fez efeito. Mas você tem que prometer fazer só o que eu mandar, você está melhor, mas não totalmente curado.

- Eu prometo. - disse com um olhar sorridente que fez todo o meu esforço para conseguir as ervas de seu chá valer a pena.

- Certo, mas antes nós passaremos na feira.

                                                                         * * *

Após irmos na feira, onde eu consegui um quilo de arroz com as moedas que eu tinha, quando estávamos passando pela praça central da cidade, em direção à praia, avistei um alvoroço, várias mulheres e homens estavam cercando um homem bem-vestido.

- Espere sentado naquele banco, anjinho, vou ver o que está acontecendo.

Ao me aproximar, avistei Conceição, minha vizinha e dona de um café humilde que eu frequentava quando podia.

- Conceição, o que está havendo aqui? Por que estão todos cercando esse moço?

- Esse jovem senhor é um dos empregados dos Moscovis – Prendi a respiração ao saber disso. Será que teriam descoberto sobre a noite anterior? - Ele veio trazer uma proposta de emprego que pode ajudar um de nós, Bete. O problema é que as pessoas não o deixam falar. - Uma onda de alívio tomou meu corpo quando Conceição continuou.

O homem forçou caminho entre a multidão e subiu em um banco da praça.

- Por favor, senhores – disse com um ar irritado – Preciso dar um recado a vocês.

- A Sra. Moscovis tem o prazer de anunciar que precisará de mais um empregado para ter a honra de servir sua família. Atenção, mulheres entre 15 e 30 anos - Continuou quando a multidão diminuiu o barulho – A família Moscovis precisa de uma moça disposta e saudável para cuidar de sua linda caçula, a pequena Alice, de apenas quatro anos de idade. - Percebi que ele estava lendo isso de um papel. Aquela família no mínimo pensava que fazia parte da realeza –Mulheres que não atendem aos requisitos, por favor, deem licença.

Ouviu-se um murmúrio coletivo de insatisfação. Eu estava dando as costas para sair com os outros, quando Conceição agarrou o meu braço – Onde você está indo, Elisabete?

- Estou indo embora, só parei para ver o que estava acontecendo.

- Como assim está indo embora? Essa é a sua oportunidade de conseguir pôr comida na mesa da sua casa! Você já tem a idade e tem um irmão para cuidar. Aproveite a oportunidade que está tendo, menina!

- Eu não vou servir a essa família, são só ricos que se acham superiores a nós. Sabe que eu detesto gente assim.

- Você acha que alguma das mulheres que está aqui vai tentar fazer isso porque acha divertido? Não, Elisabete. Essas mulheres estão aqui porque têm uma família para cuidar. Porque assim como a sua mãe, elas fazem de tudo para alimentar seus filhos. Pensa que sua mãe gostava do que fazia? Ela odiava, mas lutou até o dia de sua morte! Pois ela amava você e seu irmão, e fazia qualquer coisa para conseguir o que vocês precisavam.

Assim que ela mencionou a minha mãe, senti vergonha da minha atitude, vergonha do meu egoísmo. Como pude pensar em não tentar o emprego? Como pude não pensar primeiramente em meu irmão? De repente me senti uma pessoa terrível por isso. A pior irmã do mundo.

- Quando serão as entrevistas para o emprego? - Perguntei, voltando atrás da minha decisão.

- Esta é minha garota- Disse dando um sorriso orgulhoso – o homem disse que serão às 16 horas – Conceição não tinha filhos, então tinha menos gastos, por isso conseguiu conquistar o seu próprio café. E por fazer o melhor bolo de laranja do mundo, é claro. Quando minha mãe morreu, ela que cuidou da gente. Foi quem nos deu forças para seguir em frente. Mas as coisas para Conceição começaram a se dificultar quando ela recebeu uma multa por falta de manutenção em seu café. Desde então ela só nos manda bolos lá alguma vez, mas continua dando todo o apoio e amor que nós precisamos. Quando eu era pequena, lembro que dizia que ela era a mulher que eu mais amava depois da minha mãe. E era verdade.

- Obrigada, Conceição – Disse dando um abraço apertado nela e saí correndo na direção de Carlinhos.

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