II. A Rotina Real

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"Surreal" era uma boa palavra para descrever a situação inteira de Kieran ao abrir os olhos e encarar o teto branco e decorado com detalhes em dourado do palácio em Arcallis. Ele tinha ido embora há mais de seis meses, tinha procurado outra alcunha de morte gloriosa, e tinha recebido a visita do próprio regente de Arcallis em Brymoor, disposto a lhe "roubar". Nem quatro semanas de viagem a cavalo, acampando longe de cidades e se mantendo discretos foram suficientes para que ele assimilasse que estava, mesmo, de volta a Arcallis e na companhia de Idris. Ele virou o rosto para o lado só para confirmar que o rei estava mesmo na cama, adormecido, sob a luz do sol matinal, com um braço jogado preguiçosamente sobre o seu peito.

– Eu não acreditaria nisso nem se fosse uma ótima canção de bardo. – Kieran riu consigo mesmo, se virando na cama até se aproximar mais de Idris, passando um braço por cima do corpo alheio e aproximando o rosto dos longos fios dourados, enquanto ele seguia bem imerso num sono pesado.

Kieran até gostaria de voltar a dormir, a despeito da luz do sol entrar pelas janelas, mas o que lhe chamou a atenção foi a porta do quarto se abrindo muito discretamente. Ele precisou erguer a cabeça um pouco para ver que Borya tinha entrado no quarto mesmo sem permissão, o que era uma novidade.

– Bom dia, senhor. – o criado o cumprimentou com uma reverência e uma voz baixa, ainda tinha o tom de desagrado ao qual Kieran estava acostumado, mas o homem só começou a andar pelo quarto ignorando a presença do ladrão e aparentemente, até mesmo do rei.

Ele separou roupas novas que tirou do cômodo adjacente ao quarto, abriu as torneiras para encher a banheira e voltou até a porta para dar espaço para que um par de criados entrasse para organizar as roupas espalhadas pelo chão e trazerem uma bandeja de frutas frescas colocada numa das mesas do quarto, tudo isso de um jeito tão silencioso e sem sequer olhar na direção da cama que Kieran até imaginou que aqueles criados podiam bem serem ótimos ladrões. O ladrão só observou a movimentação e o fato de que Idris nem se moveu na cama, depois de tudo arrumado, os criados saíram fechando a porta atrás de si e deixando o quarto no silêncio de novo.

– Isso foi estranho...

Kieran se jogou na cama de novo, olhando outra vez para Idris para puxar uma das mechas do cabelo loiro e começar a enrolar nos dedos, distraído. Ele ainda permaneceu ali, pensando no que exatamente faria agora que estava oficialmente em Arcallis, e nas palavras de Idris antes de deixarem Brymoor, sobre ele estar livre para ir ainda em busca da sua morte gloriosa contanto que voltasse para o castelo. Era uma proposta estranha, ainda não sabia o que pensar dela.

Você ainda está aí...

A voz sonolenta de Idris fez Kieran despertar para o fato de que ou tinha acordado o rei por acidente, ou tinha passado tempo demais encarando o teto. Quando se virou para encará-lo, ele estava só se movendo preguiçosamente no lado da cama.

– Bom, você foi me buscar em Brymoor pra isso, eu suponho. – Kieran respondeu, com um ar convencido. – E espero que dessa vez eu não precise escapar pela janela com o seu conselheiro psicopata batendo à porta.

– Não se preocupe. – ele respondeu, com o que Kieran assumiu que fosse um sorriso discreto no canto dos lábios, antes de se sentar e passar uma mão pelos longos fios dourados, colocando-os para trás sem sucesso.

– Eu nunca fiquei muito no quarto antes de alguém tentar me matar, mas é normal os criados entrarem com você dormindo? – Kieran perguntou, enquanto Idris estendia a mão para acionar uma das alavancas douradas sobre a mesinha ao lado da cama.

– Sim.

– Sério? Não é estranho pensar que tem gente andando aqui enquanto você dorme?

– Por quê?

O Ladrão dos 13 Corações [Parte II]Onde histórias criam vida. Descubra agora