XXV. O Sono Perturbado

186 41 42
                                    

A lua cheia iluminava bem a noite de Arcallis, principalmente os corredores amplos do castelo, que eram compostos de janelas panorâmicas e vitrais translúcidos. Um ladrão habilidoso como o Mago da Noite não tinha a menor dificuldade de se mover num lugar tão iluminado, mesmo sem o auxílio de archotes, e tão mal guardado também, afinal, nenhum guarda ou criado povoava os corredores do castelo naquele horário avançado da noite.

Os passos hábeis do ladrão o guiaram por um caminho que era, ao mesmo tempo, familiar e estranho. Era como se alguma força invisível fizesse com que suas pernas se movessem e quando ele reconheceu o trajeto, percebeu que estava diante do escritório, tinha percorrido exatamente o mesmo caminho que fizera da primeira vez que tinha invadido o castelo de Arcallis em busca de sua morte gloriosa.

Toda a situação era estranha para Kieran, como ele tinha chegado ali, exatamente? E onde estivera mais cedo naquela noite, que sequer lembrava como tinha chegado aos corredores do castelo? Não devia estar no quarto do rei? A sensação intensa de dejávù e aquela força sobrenatural que lhe empurrava fizeram com que seguisse em frente, e tal qual a primeira vez que invadira o castelo, entrou no cômodo sabendo que encontraria ali uma peça raríssima e valiosa feita do metal mais precioso do mundo.

O que ele encontrou, entretanto, ao entrar de uma vez na sala, foi algo completamente inesperado. A sala não estava vazia, nem pouco iluminada. Ao contrário, a luz bruxuleante dos archotes iluminava todo o cômodo e antes de achar a peça que queria roubar, seus olhos pousaram numa jovem mulher, sentada do outro lado do gabinete de madeira, com longos cabelos negros que desciam pelos ombros cobertos por um vestido totalmente branco, composto, que cobria cada pedaço do corpo dela exceto pelo rosto de pele alva e as mãos de dedos finos e longos. Ela parou de ler um pergaminho sobre a mesa e ergueu os olhos de um azul muito vívido para encarar Kieran, sem parecer minimamente surpresa com a presença que deveria ser estranha.

Kieran encarou o rosto jovial e um calafrio estranho e incômodo percorreu todo o seu corpo. Era um rosto muito bonito, e estranhamente familiar. Mas onde exatamente ele o tinha visto?

– Ora, essa certamente é uma visita inesperada. – a mulher se dirigiu a Kieran com uma voz melodiosa e um sorriso delicado. Ela cruzou as mãos sobre a mesa e continuou encarando o ladrão. – Posso ajudá-lo em alguma coisa, cavalheiro?

Kieran abriu e fechou a boca, sem saber exatamente como responder. Aquela não era a reação que ele esperava depois de invadir um lugar para roubar algo.

– Está perdido? Farei o possível para auxiliá-lo, senhor.

Alguma coisa estava muito errada, Kieran tinha certeza. E o rosto dela ainda era muito familiar.

– Por acaso nós já nos conhecemos? – Kieran perguntou, apontando para ambos.

– Eu acredito que não fomos apresentados ainda. – ela se ergueu da cadeira, dando a volta na mesa com as mãos unidas diante do corpo numa postura digna da realeza. – E o senhor não parece ser um dos novos criados do castelo, estou certa?

O fato dela se mover como alguém da realeza causou um estalo na mente de Kieran, mas ele ainda não conseguia associar o belo rosto a ninguém em sua mente. Ao invés de se esforçar em lembrar onde a tinha visto, ele se concentrou em outra coisa importante: a reação dela.

– Não, não sou... e por que é que está me tratando assim? Não está óbvio que eu invadi o castelo? Você já não devia ter chamado os guardas pra me jogar no calabouço ou algo assim?

A primeira reação dela foi deixar uma risada breve escapar, mas na postura elegante, ela ergueu uma das mãos para cobrir os lábios.

– Não há calabouços nesse castelo, senhor. – ela respondeu, com um ar descontraído que causou outra sensação forte de dejávù em Kieran.

O Ladrão dos 13 Corações [Parte II]Onde histórias criam vida. Descubra agora