IV. O Conto do Passado

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– Vossa alteza! – Ninian finalmente se ergueu e se curvou assim como a irmã, alarmada. – Nós... nós só...

– Nãoooo! Você não pode responder. – Kieran interrompeu qualquer tentativa da criada de se justificar para Idris e notou como o regente imediatamente arqueou uma das sobrancelhas em confusão. – Nunca se confia na história contada pelo protagonista. Eu tenho que ouvir de terceiros.

A expressão de Idris não mudou, Kieran quase sentia como se as criadas fossem desmaiar ali mesmo por causa do que o rei tinha presenciado. Mas ele não se importou com a expressão fechada do regente, era até divertido vê-lo reagindo daquele jeito. Logo o rosto suavizou e Idris ergueu um pouco o queixo ao encarar Kieran, depois as duas criadas.

– Peço desculpas pela interrupção então. Continuem.

O rei deu as costas para deixar a sala, deixando um sorriso bem vitorioso no rosto de Kieran. Mas claro que não causou o mesmo efeito nas criadas, que certamente não estavam dispostas a continuar falando muita coisa sobre o rei depois daquela resposta no mínimo desagradada.

– Então, onde estávamos?! – Kieran se virou para as duas mulheres, que obviamente engoliram em seco, mas voltaram a se posicionar para fazer o que tinham se proposto desde o começo: ensiná-lo a trançar cabelos e nada mais.

Kieran ainda usou todo o seu conhecimento e lábia para convencer as duas a soltarem mais informações sobre Idris. Descobriu que elas eram filhas do antigo general, que se chamara Dargan, igual ao menino energético que vivia na cola do conselheiro, a mãe delas também tinha sido a criada pessoal da mãe de Idris. Mas entre comentários soltos e tentativas frustradas de arrancar algo mais das duas, Kieran acabou aprendendo mais a fazer tranças do que algo sobre o rei. Bom, até que Ninian deixou escapar sobre como o jovem Idris, de não mais do que treze ou quatorze anos, já tinha chegado no castelo com um olho roxo, culpa da mão pesada do ex-general ousado.

– Eu nem sabia que era possível dar um murro nele com aquela magia! – Kieran comentou, tentando conter as risadas com a revelação interessante, mas Ninian e Zareen estavam mais brancas que as paredes da sala, antecipando uma punição que Kieran sabia que não viria.

– Por favor, senhor...! O rei vai nos punir!

– Não se preocupem, eu não vou falar nada com ele. É o nosso segredo. – o ladrão deu uma risada breve. – Além do mais, não é como se ele fosse mesmo punir os criados do castelo. Isso já aconteceu alguma vez?

Ninian e Zareen só se entreolharam e abaixaram o olhar, o que deixou Kieran ainda mais curioso com a resposta.

– Aconteceu?!

– Podemos ajudar em mais alguma coisa, senhor? – Zareen forçou um sorriso fraco, e a vontade de Kieran em insistir foi deixada de lado.

– Não, vocês foram ótimas, obrigado pela companhia e pelas aulas particulares.

As duas pareceram mais aliviadas com o agradecimento de Kieran e finalmente se curvaram antes de sair da sala, deixando o ladrão com a curiosidade aguçada. Quando Kieran seguiu pelos corredores do castelo em busca do regente que tinha dispensado mais cedo, foi que notou os criados acendendo os candelabros e archotes por conta da noite que tinha chegado sem que ele nem percebesse, em meio à longa conversa interessante. Não demorou a chegar ao quarto do regente e, ineditamente, Idris estava sentado numa das poltronas, com uma xícara de porcelana fumegante numa das mãos e uma refeição farta sobre a pequena mesa que ficava entre o par de poltronas. Ele já estava no robe de dormir, embora o cabelo ainda estivesse trançado, certamente Borya já tinha saído depois de ajudá-lo no banho.

– Isso é novidade. – Kieran anunciou a presença ao entrar e fechar a porta atrás de si. – Eu acho que só vi você comendo quando estávamos voltando de Brymoor. Estava quase acreditando que você é um deus que se alimenta de luz.

O Ladrão dos 13 Corações [Parte II]Onde histórias criam vida. Descubra agora