XXXIV. A Arma Secreta

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Antes dele achar a voz, ou calcular mentalmente um jeito de se livrar do seu possível algoz, o homem levantou um pouco o rosto coberto pela sombra de uma boina, e Kieran encarou direto nos olhos sem vida que eram estranhamente familiares. Naquele momento, o ladrão sentia só a aura fria de um assassino, por isso, demorou alguns longos segundos até processar de onde conhecia aqueles olhos mortos.

― MEU DEUS, VOCÊ É O GUN-!!

A surpresa foi tamanha que o homem precisou usar a mão livre para cobrir a boca de Kieran e impedi-lo de gritar na madrugada silenciosa. Sem reação, Kieran só sentiu quando ele afastou a lâmina da sua garganta, mas manteve a mão sobre sua boca. Ele guardou a faca e levou o indicador aos lábios para indicar que ele continuasse em silêncio. Kieran assentiu com um aceno discreto e ele finalmente tirou a mão de sua boca.

O que é que você está fazendo aqui?! E com uma faca? E tentando me matar?! Eu achei que fôssemos amigos, Gun-!

Ele cobriu a boca de Kieran de novo e o encarou com o mesmo olhar de morte e julgamento antes de tirar a mão da boca dele uma segunda vez.

Eu achei que você era um jardineiro! Isso é coisa do conselheiro maluco, não é? Vai me dizer que você é igual o Jort, que finge que é mercador, mas na verdade é-

Mais uma vez, o homem cobriu a boca de Kieran e rodou os olhos. Daquela vez, ele que falou.

Quantas vezes eu vou ter que te calar? ― Gunne enfiou a mão livre numa sacola de couro que ele mesmo trazia pendurada no corpo e tirou de lá um objeto longo, enrolado num pano surrado. Ele enfiou o objeto dentro da roupa de Kieran, a outra mão ainda sobre os lábios do ladrão. ― Isso precisa chegar no Lorde Branimir e no rei. É isso que deixou todos eles confiantes, conseguiram criar uma arma nova. Parece magia, talvez possa matar o nosso rei de verdade.

A surpresa ficou bem clara no rosto de Kieran, e quando Gunne baixou a mão daquela vez, Kieran demorou a responder.

É verdade?

Só vamos saber se o rei vir pessoalmente. Só um Taika pode sentir magia de outro Taika. Você precisa levar isso até o rei, pode ser a nossa única chance de vencer a guerra. ― ele adicionou.

E o que você está fazendo aqui? ― Kieran queria perguntar mais um milhão e meio de coisas, mas das que ele deduziu, resolveu se ater ao que era essencial: ― Por que não voltou com isso?

Meu trabalho não acabou. Se não vencermos por fora, temos que vencer por dentro. Eu não posso enviar mensagens a Arcallis, eles ainda suspeitam de mim. Você foi a minha melhor oportunidade até agora.

Eu só preciso levar isso até o Idris então?

Gunne fez um aceno positivo discreto com a cabeça, e na penumbra da pequena viela em que se escondiam, ele ainda olhou para os lados para se certificar de que não havia olhos curiosos.

Se for magia, o rei vai desvendar. Se não for magia, o lorde Branimir vai descobrir o que é. Você não pode perder isso. ― ele reforçou, finalmente se afastando um passo de Kieran e guardando a faca de volta ao bolso. ― Não vamos conseguir outra e se chegarmos na guerra, pode ser tarde demais para o rei descobrir se é ou não magia.

"Não pode perder"? Com quem acha que está falando? Eu sou o maior ladrão do continente, nada me escapa. Nem mesmo um trono. ― Kieran respondeu, com o ar convencido de sempre. ― Pode deixar, eu já estava cansado desse reino mesmo.

Obrigado.

Gunne finalmente se afastou um passo de Kieran, olhou para os lados na rua silenciosa e discreta e fez um breve aceno com a cabeça, a sombra da boina cobrindo o rosto ordinário mais uma vez. Kieran ainda o observou enquanto ele se afastava um par de passos antes de seguir na direção oposta ao jardineiro-espião, e não se surpreendeu quando, antes mesmo de chegar ao fim da viela e olhar para trás, já não avistava nem sequer sentia a presença de Gunne.

O Ladrão dos 13 Corações [Parte II]Onde histórias criam vida. Descubra agora