XIX. A Ameaça de Morte

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A nova empreitada de Kieran foi para além dos territórios de Arcallis até os reinos a oeste, de onde as pesquisas muito precisas de Tinashe tinham trazido informações sobre um mercador errante invencível e extremamente habilidoso. Quem sabe a fama dele o precedesse mais do que a de Idris, e se Kieran conseguisse achá-lo e roubá-lo, seria algo do que se vangloriar para que os bardos cantassem e ele ganhasse uma nova alcunha nos reinos do Sul.

Mas, no fim das contas, o errante invencível era tão real quanto a sede de sangue de Idris. Tinha sido uma jornada tão sem fundo quanto os baús do tesouro fantasma do reino de Ohad, o que tornou o retorno de Kieran a Arcallis mais rápido do que ele mesmo esperava. Em menos de dez dias, ele já estava cruzando a fronteira de novo de volta à Arcallis, e surpreendentemente, foi mais fácil do que a sua tentativa frustrada com o comandante gigante do sul.

Embora o trajeto cruzando a fronteira não tivesse sido tão complicado para Kieran, foi quase surpreendente que ele encontrasse com o velho companheiro de ladinagem que tinha deixado preso na fortaleza ao sul. O encontro foi tão inesperado numa das trilhas pouco movimentadas antes de um dos vilarejos que Kieran fez bem em manter uma distância segura do homem que aparecera do nada.

– Ora, ora, parece que você não está tão enferrujado assim. Pelo visto conseguiu se livrar mesmo sem as minhas habilidades especiais, Cigano. – Kieran cumprimentou o homem que estava com uma aparência um pouco mais vívida do que aquela que estava na prisão da fortaleza do sul. – Parece que passou os últimos dias com mais do que pão e água.

– E você parece que passou os últimos dias com banquetes dos melhores cozinheiros do reino. – o outro sorriu o sorriso que evidenciava o buraco num dos dentes.

– Bom, não posso reclamar. Os cozinheiros do castelo são bons mesmo. – respondeu Kieran, com o tom convencido de quem estava cantando vitórias.

– Os cozinheiros do castelo, hm? – o Cigano se afastou dois passos de Kieran, encostando-se a uma das árvores que ladeavam a trilha de terra, tirando do bolso das roupas limpas um maço de tabaco, enrolando um cigarro com os dedos longos e ossudos com muita habilidade. – E não é que as histórias eram mesmo verdade? Devo dizer que é surpreendente que nessa idade, você ainda consiga tirar umas cartas da manga, Mago- opa, desculpe, é 13 Corações agora.

– Eu sempre tenho cartas na manga, Cigano, você já devia saber disso.

– Sei o suficiente. – ele terminou de enrolar o cigarro e o levou a boca, cobrindo parcialmente o sorriso que deixou Kieran em alerta. – O suficiente pra encontrar as suas brechas, Mago.

Kieran não precisou ouvir o final da sentença nem parar para responder com algum comentário engraçadinho. Tão claro quanto o instinto assassino do Conselheiro, ele percebeu a aproximação não tão discreta de uma pessoa atrás de si, saindo dos arbustos que ladeavam a trilha num ponto estratégico em que não teria muita ajuda. Ele devia ter se apressado mais, claro, mas também não era como se não conseguisse se livrar de um avanço tão lento.

Com um movimento rápido, ele saltou para o lado, abaixando-se para sair do alcance do par de braços grandes, fortes e convenientemente lentos que tentaram lhe agarrar desprevenido. O chão de terra levantou poeira com os seus pés se arrastando para longe do possível agressor.

– Brechas? Está me confundindo com quem, Cigano? – ele riu, convencido, longe das mãos do estranho que aproveitou para se aproximar e começar a lhe cercar.

– Aquelas que você não admite que tem. – o Cigano não parecia preocupado com o fato de que Kieran tinha escapado do seu possível agressor. Colocou o cigarro na boca para acender o fogo e Kieran soube que ainda não tinha acabado.

O Ladrão dos 13 Corações [Parte II]Onde histórias criam vida. Descubra agora