XXVI. A Coroa Perdida

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O esforço de Kieran na noite anterior na companhia de Idris acabou lhe rendendo uma febre intensa que lhe derrubou pelo resto da noite e do dia que se seguiu. Ele só recobrou a consciência quando a tarde já ia longe e o sol estava começando a sumir no horizonte, sentindo-se mais revigorado e com uma estranha sensação de que a noite tinha sido muito cansativa e os sonhos perturbadores, mas não lembrava de nada.

Ele acordou sozinho no quarto do rei, havia um pano úmido na sua testa e embora estivesse ainda sem as roupas, o seu corpo estava limpo do suor e do sêmen, e os ferimentos recentes devidamente tratados e limpos. Idris não estava no quarto, mas considerando o tempo que devia ter passado desacordado, não era de se estranhar. Algumas breves lembranças perpassaram a mente de Kieran e ele suspirou longamente antes de reunir o resto de forças que tinha para se colocar de pé.

O ladrão pegou as novas roupas limpas que estavam separadas no aparador aos pés da cama e se vestiu para deixar o quarto. O ferimento na perna não incomodava tanto, o do braço era o que ainda lhe causava um bom desconforto e a ardência era o que provavelmente tinha lhe tirado do sono, junto à fome intensa, claro.

Kieran não se preocupou em rodar o castelo atrás de Idris. Era bem certo que ele deveria estar na biblioteca resolvendo assuntos políticos ou, ineditamente, em alguma sala de estar para fazer companhia diplomática à princesa do leste. Ele seguiu direto para a cozinha, onde foi servido com uma dieta muito específica que supostamente aceleraria a recuperação e ia prevenir que o ferimento ficasse infeccionado.

Só depois de estar muito bem servido da comida, Kieran saiu da cozinha depois de uma longa conversa entretida com os criados para vagar pelo castelo na direção muito conhecida da biblioteca. Ele foi obrigado a parar no caminho quando notou que era o mesmo trajeto que o levava ao escritório quase nunca utilizado pelo regente, e um calafrio muito desagradável lhe percorreu o corpo dos pés à cabeça. Ele não sabia o motivo exato do incômodo, mas deu meia volta no trajeto para seguir por outros corredores até a biblioteca.

O ladrão parou a alguns passos das adornadas portas duplas quando elas se abriram com um estrondo muito incomum, e quando ele esperou ver Radulf, talvez Wafula fazendo aquele estardalhaço, se surpreendeu que a primeira pessoa a sair foi a princesinha do leste.

― Uou, bom dia, princes—

― Saia do meu caminho. ― a resposta ríspida acompanhada por passos muito pesados e acelerados, junto a expressão irritada e o rosto muito vermelho deixaram Kieran completamente sem reação.

Se ele não tivesse dado um passo para o lado, ela certamente teria lhe atropelado, e Kieran sabia de experiências passadas que ficar no caminho de uma jovem enraivecida não era uma boa escolha.

― Mas o que foi isso...? ― a reação da princesa que sumiu no fim do corredor somada ao fato de que ela tinha acabado de deixar a biblioteca deixaram Kieran de orelhas em pé, inclusive para a resposta que lhe alcançou os ouvidos.

― Bem que você gostaria de saber, não é, ladrão?

Kieran se voltou logo para Wafula que tinha aquela expressão muito entretida assim que saiu da biblioteca e fechou as portas com mais cuidado.

― E pelo pouco que conheço de você, não vai me contar, hm? ― Kieran estreitou o olhar para o general que alargou o sorriso debaixo da barba espessa. A lembrança do dia que ele tinha lhe dado a ideia de roubar um pertence da falecida rainha voltou logo à mente de Kieran.

― Por que não pergunta ao Idris? ― Wafula fez um sinal na direção da biblioteca. ― Ele adoraria te contar os detalhes.

― Você é uma pessoinha horrível, sabia? Faz bem ser casado com o psicopata. ― Kieran cruzou os braços diante do corpo, enquanto Wafula finalmente seguia o caminho. ― Não caio nessa duas vezes, senhor general.

O Ladrão dos 13 Corações [Parte II]Onde histórias criam vida. Descubra agora