VIII. O Melhor Guarda

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Kieran ficou completamente sem reação ao ouvir a resposta muito pontual de Idris, quando ele ergueu o olhar do livro depois de fechá-lo, dizendo que ele mesmo tinha sido responsável pelo envio dos espiões para Brymoor. O ladrão podia imaginar mil e um motivos para ter sido espionado a mando do conselheiro, mas a mando do rei? Não fazia o menor sentido.

Você? – Kieran nem soube como elaborar a pergunta.

– Sim. – Idris confirmou, levantando-se para dar a volta na mesa e ficar de pé diante do ladrão. – Eu convoquei Tinashe pessoalmente para liderar os espiões em Brymoor, algum tempo depois que você foi embora.

Espiões? – o ladrão arqueou as sobrancelhas com a informação, ainda bem confuso. – Quantos espiões tinham?

– Quatro. Brymoor é distante, para que as informações chegassem mais rápido, são necessários pelo menos quatro espiões em trânsito constante. – o regente respondeu, com tanta naturalidade que Kieran foi pego ainda mais de surpresa.

– Espera aí, tempo. – ele fez um sinal de tempo com as mãos, sentindo-se até exasperado com o pouco sentido na conversa. – Vamos voltar um pouco aqui. Eu posso imaginar o Conselheiro querendo se certificar que eu jamais colocaria os pés de volta em Arcallis, isso faz sentido. Mas você? Por que é que ia mandar espiões me vigiarem em Brymoor pra começo de história?!

– Era o único jeito de saber que você ainda estava vivo.

– O que...? – o ladrão perdeu qualquer ímpeto em questionar a explicação do outro.

– Eu não queria que morresse. Ainda não quero. Mas não está exatamente em minhas mãos, está? – as palavras de Idris soaram baixas, mas num tom firme, enquanto ele lhe encarava fixamente. – Pelo menos, eu queria saber que estava vivo. Foi só o que pedi que me informassem.

Se já era impossível entender algumas dinâmicas de relacionamento e amizades que o regente tinha, era ainda mais confuso para Kieran entender aquele nível de interesse, para não chamar de devoção. Porque devoção ele tinha acabado de ver em carne e osso na mulher de Jort e era perturbador. Entender como um regente tão temido e idolatrado como o próprio Anjo da Morte tinha não só ido lhe buscar do outro lado do continente, mas também tinha enviado espiões apenas para saber se ele estava vivo estava além de sua capacidade emocional. Depois dos longos segundos de divagação, só um questionamento deixou os lábios do ladrão.

– Por quê?

A resposta de Idris não foi imediata, mas Kieran viu um sorriso discreto no canto dos lábios do regente, o que lhe fez criar uma estranha expectativa diante da resposta que foi imediatamente interrompida pelo som da porta da biblioteca se abrindo de maneira exagerada.

– Tio Idris! Tio Idris! Eu vai ficar de guarda hoje de novo!!!

Kieran pulou para o lado mais pelo instinto de sobrevivência, não porque tivesse medo de uma criança, mas uma criança sacudindo um pedaço de metal afiado era algo mais preocupante. Dargan continuava com aquela mesma adaga que Kieran tinha visto no dia em que tinha retornado a Arcallis. Ele levantou o olhar para Idris, que não fez mais do que responder com um sorriso discreto para a empolgação do garoto destemido que pouco se importava com o Anjo da Morte, saltitando de um lado pra outro e relatando mil e uma coisas com toda a energia do mundo.

Se o regente pretendia responder o questionamento de Kieran, a vontade foi subsidiada pela presença de Dargan. E se Kieran tinha vontade ou não de ouvir a resposta, até esqueceu da pergunta ao ver a expressão mais calma do rei.

Mesmo que Kieran se esforçasse muito, não teve qualquer chance de ter uma conversa decente com Idris, constantemente cercado pelas correrias de Dargan e pelos monólogos animados. Pelo menos ele não devia demorar muito a cansar daquele jeito e ia dormir logo. Mas o pensamento de paz de Kieran foi por água abaixo quando Dargan os acompanhou até os aposentos do rei.

O Ladrão dos 13 Corações [Parte II]Onde histórias criam vida. Descubra agora