XI. O Passe Especial

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A lenda do tal navio fantasma cheio de riquezas que só surgia ao raiar do sol tinha sido outra grande perda de tempo. Uma semana Kieran desperdiçou em alto-mar, acreditando nas conversas de marinheiros de várias embarcações diferentes sobre onde exatamente o tal navio aparecia e quais as riquezas que ele trazia. Em nenhum raiar do sol, entretanto, ele viu a tal embarcação ou sinal dela. Na verdade, queria até se arriscar nadando até o fundo do mar e de repente achar alguma carcaça de navio que ainda trouxesse baús de riquezas em seu interior, mas não era uma boa ideia confiar em marinheiros traiçoeiros para lhe deixarem esperando no fundo do mar. A única alternativa que lhe restou foi voltar para terra firme, trocar algumas moedas com um mercador e arrumar uma carona de volta para Arcallis.

Já fazia mais de duas semanas que tinha saído do castelo em Arcallis, estava até começando a sentir falta da boa comida, da boa cama e particularmente das companhias – claro, menos do conselheiro maluco. Deitado na parte de trás de uma carroça de mercador, olhando para o céu costumeiramente limpo e sem nuvens dos reinos do Sul, ele até começou a antecipar o retorno que lhe garantia uma resposta para uma das perguntas que tinham lhe deixado muito curioso um par de semanas atrás. Naquele momento, Kieran não parou para pensar que era a primeira vez que realmente sentia vontade de voltar a algum lugar.

O ladrão mal percebeu que tinha adormecido no balanço da carroça, até sentir o impacto forte, como se tivessem passado por cima de uma pedra muito grande, e precisou acordar quase num pulo. Ele se sentou para ver que a pedra na verdade era um brutamontes de uns dois metros de altura, careca e com uma barba espessa que tinha umas roupas que ele conhecia muito bem da época em que tinha sido perseguido nas ruas de Zahi por invadir o castelo e roubar a coroa do rei.

– O que aconteceu? Já chegamos? – Kieran bocejou, se voltando para o mercador idoso que guiava a sua carona de volta para Arcallis. Mas aquele lugar não parecia Arcallis.

– Estamos na fronteira, rapaz. – o velho respondeu, e antes que Kieran pudesse perguntar o motivo de terem parado, o guarda careca chutou de novo a base da carroça.

– Seu passe, forasteiro.

– Meu o quê? – Kieran franziu o cenho, coçando a nuca e bocejando de novo.

– Para Arcallis. Cadê sua permissão?

– Minha permissão? – a expressão de Kieran ficou ainda mais confusa e ele se virou para o mercador. – Do que ele está falando, tio?

– Como assim, do quê? Você não tinha vindo da capital, rapaz? Onde está seu passe? – o velho perguntou, tirando de dentro da roupa o que parecia uma pequena placa de madeira com um entalhe do brasão do reino, que na verdade ele só tinha visto no palacete e nas roupas dos guardas.

– Sério? – Kieran até apertou os olhos, aproximando-se do objeto de madeira para olhar melhor. De todas as vezes que tinha circulado no reino, ele nunca nem tinha visto algo parecido. – Sério que existe isso?! Esse tempo todo?!

– Você nunca saiu do reino, rapaz? Eu achei que você já tinha viajado no mundo todo. – o mercador seguiu, mas antes que Kieran pudesse responder, o balanço na carroça foi mais intenso, o guarda tinha batido de novo.

– O passe, forasteiro!

– Então, seu guarda, na verdade, nós temos um pequeno problema. – Kieran deu uma risada sem graça, fazendo um sinal com os dedos para indicar o "pequeno". – Eu não fazia ideia de que precisava disso aí, sabe? Pensando bem... – ele levou uma das mãos ao queixo. Na primeira vez que tinha entrado em Arcallis, não tinha sido pelas rotas convencionais. Na segunda, eles tinham passado por uma das fronteiras, mas certamente não foi difícil fazer aquilo na companhia de Jort e de Idris. E agora que dava uma boa olhada ao redor... estavam mesmo passando pela fortaleza do sul. – Não se preocupe, eu arrumo um desses assim que chegar no cast-

O Ladrão dos 13 Corações [Parte II]Onde histórias criam vida. Descubra agora