Visões do Amanhã

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Local: Samaya, Horis

Ano: 626

Perdido  e sem rumo, passava os olhos com esforço pelas ruas que tinha à sua  frente

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Perdido e sem rumo, passava os olhos com esforço pelas ruas que tinha à sua frente. Parecia que tinha sido penetrado por um vazio imenso que lhe roubava a capacidade de distinguir o que quer que fosse. Os objetos assumiam-se de formas diferentes, impercetíveis e irreconhecíveis. Que sítio tão estranho seria este, onde se olha, mas não se vê realmente? Onde se vive, mas não há sentimento?

Era um mundo diferente, mas faltava-lhe a sobriedade mental para perceber isso. O mundo somos nós que o fazemos, a forma como o tratamos e a quem connosco vive nele, definirão o que esse mundo é. Este era sangue. A morte pairava tão intensamente no ar que quase que se conseguiam sentir as chamas do Inferno a queimar-nos as fossas nasais, a entrar-nos pelo corpo e a tomar conta de nós. Nestas ruas, o lado negro reinava e a morte estava ao virar da esquina, à espera discretamente para nos levar.

O céu estava escuro como se a noite tivesse ganho finalmente a batalha contra o dia. Só conseguia sentir um cheiro... era fétido. As ruas estavam atoladas com corpos e caveiras de pessoas que outrora achavam merecer melhor destino, pois por estes caminhos não havia finais felizes, nem canções de amor, apenas o trágico e derradeiro final – que todos teremos – mas narrado pelo Senhor das Trevas. Nestas terras em que os poucos que conseguem sobreviver, vão vivendo de forma moribunda, sem ter escolhido nascer ali, no sítio onde se nasce apenas para se morrer. Onde se nasce um número estatístico vazio de sentido. Onde se nasce morto de propósito. Tudo para quê? Para nesse dia em que o nosso coração bombeia pela última vez o sangue que corre nas veias, cairmos de cabeça no profundo desconhecido que é não existir...

Ao longe ouvia-se um ruído e ele foi-se então aproximando da origem desse misterioso som. Caminhando cuidadosamente por entre aquelas ruas, quase como se fosse a primeira vez que andava... experimentando os passos, um atrás do outro. O som ia ficando cada vez mais audível, mas ainda assim impercetível. O que seria aquilo? Continuou a andar até que chegou a uma rua sem saída, no final havia um resto de muro com umas inscrições, uns gatafunhos indecifráveis – provavelmente apenas uma marca de outros tempos. Aproximou-se do muro e começou a tentar escalá-lo. Era um muro de pedra em ruínas, tinha pouco mais de dois metros de altura, não devia ser nenhuma complicação trepá-lo.

Quando, entretanto, conseguiu alcançar o seu objetivo, não queria acreditar no que via. Não estava, de forma nenhuma, preparado para o que estava do lado de lá daquele conjunto antigo de tijolos... os corpos amontoavam-se uns em cima dos outros. Era a visão do caos. Mas pouco tempo teve para atentar nos detalhes daquele panorama, pois o som que o atraiu até ali, aquele tilintar, agora revelava-se. Era o tilintar de duas espadas a embater uma na outra. Tentou aproximar-se da origem do barulho e, ao longe, viu dois vultos a duelar em cima de uma pilha gigante de mortos. A leveza e graciosidade com que se mexiam evocava uma dança. A dança da morte. Mas ao contrário de uma dança normal com espectadores normais, os espectadores desta eram os espectros dos que já não estavam lá. Eram o eco deixado no último suspiro antes da emergência do nada.

O Nascer da Rosa BrancaOnde histórias criam vida. Descubra agora