Apesar de notar os seus sentidos cada vez mais difusos, a exaltação da magia que procurava, excitava todo e qualquer átomo que compunha o seu corpo, numa angústia adocicada e visceral. Queria tomá-la para si, degustando todo o seu esplendor viciante, não se importando com a perda da sua sanidade, no processo. O calor do medalhão, em plena carburação, escaldava a temperatura fria da sua pele, desprotegida, produzindo um antagonismo delicado e equilibrado, produtor de um arrepio por toda a extensão do organismo. A cada cedência que fazia, sentia a exuberância daquele poder preencher toda a sua vontade, tendo uma necessidade, absoluta, de gritar, clamando por algo transcendental. Sim, vem até mim... Podia ouvir, no meio de todo aquele caos, uma voz sedutora e perigosa, cada vez mais perto de si, roçando, suavemente, pelos seus pavilhões auditivos.
Prestes a perder-se naquela luxúria gritante, lembrou-se das palavras do velho, que o tinha alertado para não se entregar totalmente, sob a pena de ser possuído, tentando, ao máximo, manter o controlo da situação. No entanto, estava fraco, e sabia que a sua consciência estava a ser tomada de si, como um doce era tomado de uma, ingênua, criança. Merda, não devia ter tentado agora. Pensou, sentindo um medo avassalador assola-lo, com o seu peso injusto e cruel.
Sem ter qualquer hipótese, foi engolido por uma escuridão cabal, que o envolveu por completo, deixando-o a pairar sobre as águas calmas do nada. Conseguia pensar, por pouco, mas nada mais. Todos os seus músculos estavam entorpecidos e não os conseguia sentir, não passando de um mero objeto inanimado, a vaguear pela vastidão da sua própria tolice, guiado pelas palavras dúbias de um velho que não conhecia. Ali, a olhar para o nada, viu a sua vida passada, como uma espécie de história, há muito esquecida, correr pelos seus olhos, com uma velocidade incrível e esmagadora. Por vezes sorriu, outras chorou, e ainda teve algumas em que gritou, deixando-se levar pelas suas mais melancólicas e dolorosas memórias, arrancadas dos recônditos aprisionados do cofre da sua mente.
Passado algum tempo, não sabia bem quanto, ouviu uma voz familiar chamar por si, vinda das profundezas das trevas. Ao percebê-la, um calor confortável ergueu-se, à medida que reconhecia de onde ela vinha.
Pai, és tu? Perguntou, sentindo uma ânsia patológica, que já não sentia desde a morte do seu progenitor.
Ran, meu filho. Que bom que é, ver-te, ouvir-te! Exclamou, emergindo de um local da escuridão. Quantos anos passaram?
Muitos! Lamentou, fustigado pelas lágrimas, correndo na direção do seu pai. Se a memória não lhe falhava, ele continuava igual à última vez que o vira, dias antes de ser internado de urgência na enfermaria, vítima da peste enviada por Avlavi. Com os cabelos desgrenhados, já com algumas brancas, apresentava traços finos e delicados, por vezes associados ao sexo feminino, o que lhe garantiu um grande sucesso, aquando da sua juventude, segundo contava. Os seus olhos azuis, escondidos por grossas sobrancelhas, misturavam-se na perfeição com a tonalidade branca da sua tez, tapada por uma barba grisalha, por aparar. A morte não lhe tirou a bondade do olhar. Pensou, olhando para ele. Onde estamos?
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O Nascer da Rosa Branca
FantasiDuas décadas passaram desde a temível Guerra das Rosas Negras. O mundo, frágil e fragmentado, resiste por um fio. A esperança tem muitos nomes e muitos rostos. Pessoas comuns, mas extraordinárias, que lutam por um ideal utópico. O bem e o mal são, m...