Os Filhos do Mar - Parte três

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A calmaria de uma noite serena e tranquila, relaxava os seus sentidos, exaltados em toda e qualquer respiração que dava

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A calmaria de uma noite serena e tranquila, relaxava os seus sentidos, exaltados em toda e qualquer respiração que dava. No céu, pintado com pinceladas firmes, mas suaves, de tons de preto, podia ver uma quantidade infindável de estrelas a preenchê-lo, tentando iluminá-lo, com a sua luz cálida e brilhante. O barulho do mar, fleumático e quase imperceptível, misturava-se com os sons corajosos dos pequenos animais noturnos, que em frenesim, aguçavam os seus gritos animalescos, dotados de uma ingenuidade apenas conseguida na natureza. Cada onda mais inusitada que transpunham, fazia transbordar o deck do navio, com o frio regenerador das águas marítimas, que salpicando, molhavam os seus dolorosos músculos, numa carícia agradável, que tinha aprendido a apreciar.

Durante os meses anteriores, que sucederam a sua chegada aos Filhos do Mar, toda a sua rotina diária resumia-se a limpar os restos de fezes e de urina, que os seus companheiros de viagem, tão eloquentemente, produziam. Fora isso, apenas comia e dormia, assolado pelo cansaço acumulado que ia sentindo. Volta e meia, era parabenizado com uma coça, imprevisível, só por olhar para um dos piratas, sem permissão. A cada golpe que ia recebendo, começou a habituar-se, conseguindo separar a sua dor física da dor psicológica, muito mais difícil de superar.

Só tinha o prazer de saborear o ar fresco quando ocorriam ataques a embarcações, que sem fazerem ideia, aproximavam-se demasiado do perigo letal, latente nas trevas do mar. Nunca percebeu porque deixavam que viesse cá para fora nessas noites, mas pouco se importava, apenas apreciava a beleza do que via, enquanto podia. Durante toda a sua vida, nunca imaginou que fosse sentir tanto a falta das trivialidades do dia a dia, tomadas como garantidas, sob a alçada de uma sociedade livre. 

Sempre que passava por uma zona enegrecida, lembrava-se do estranho velho com quem tinha falado, no seu primeiro dia, envolto pelo manto misterioso da escuridão. Durante semanas, procurou-o por onde pôde, sem nunca o encontrar. Mesmo não acreditando nele, decidiu manter a distância do medalhão, por via das dúvidas, deixando-o perdido num dos bolsos das suas calças, sem, sequer, olhar para ele. Todas as pessoas a quem perguntava, diziam que nunca tinham visto tal velho, olhando para si com uma confusão genuína. Sem saber no que acreditar, foi esquecendo o assunto, empurrando-o para os recônditos da sua mente.

A serenidade da noite, foi interrompida pelos gritos desesperados da tripulação atacada, que em horror, clamava pela misericórdia de Deus, num último choro, sincero e honesto. As chamas da embarcação, dançavam triunfantes, afunilando-se, conforme subiam, rumo ao negro do céu. Os homens, ali presentes, teriam a sorte de uma morte, relativamente, rápida, já as mulheres, teriam que sofrer vários terrores, antes de poderem descansar, levadas pelo sono eterno. Apesar de já ser ter habituado àquele som, sentia a sua barriga contorcer-se, cada vez que o ouvia, procurando perder-se, novamente, na beleza da natureza envolvente. Pela bandeira, prestes a arder, viu o país de origem daqueles tristes transeuntes. Figmar. Já devo estar a meio do caminho. Pensou, imaginando as famosas grutas do seu destino, Heilig.

O Nascer da Rosa BrancaOnde histórias criam vida. Descubra agora