As bolhas crónicas que compunham as suas mãos tinham rebentado mais uma vez, manchando a rocha com tons garridos de sangue. Pelo cabo amadeirado da picareta, linhas elegantes, quais canais fluviais selvagens, desaguavam no enferrujado metal, colorindo a sua matriz monocromática. Não sentia dor, estava num estado de transe absoluto. Apenas via as suas mãos irem abaixo e virem acima. Assim sucessivamente, pelo que parecia uma eternidade. O som pautado de metal em rocha, síncrono com o seu batimento cardíaco, tornava-o um só com o local. No intervalo do ritmo, parecia ouvir alguma coisa...uma e outra vez, bem lá no fundo da sua mente. Mas o que seria?
Theo?....Theo?
Em sobressalto, saiu do seu transe e voltou para a mina onde trabalhava. Olhou para trás e viu Kyros. Desculpa. Estava distraído. Já estavas aí há muito tempo?
Não. Cheguei agora. Estás bem? Hoje não pareces normal.
Estou só cansado. E sabes que estes vapores me fazem delirar um bocado.
Isto mata-nos por dentro. Ouve o que te digo. Vamos embora.
Pousou a ensanguentada picareta e seguiu o seu amigo pelo caminho que tinham usado para entrar horas antes. Ao sair pelo carreiro, encheu os seus pulmões com ar fresco e olhou para o céu. A noite queria já aparecer e as tonalidades alaranjadas pincelavam o azul cada vez mais escuro do céu vespertino. Sorria sempre que saía daquele buraco.
Ar fresco, finalmente. Exclamou Kyros enquanto esticava os braços.
Vais já para casa? Hoje não te acompanho como bem sabes.
Não. Quando é a reunião?
Daqui a duas horas.
Então vou contigo até ao tasco enquanto esperas. Tenho sede. Disse Kyros soltando um sorriso.
Pena é a tua sede nunca ser de água. Disse soltando também um sorriso. Não haverá outros motivos para quereres ir? Talvez motivos que tenham a ver com saias...
Sabes que não resisto a uma rapariga bonita. Mas apenas quero beber um copo e fazer companhia ao meu amigo.
Ou feia, por sinal. Não és lá muito exigente.
Não sejas assim. Se tu fosses menos exigente talvez tivesses companhia de vez em quando.
Estou bem como estou. Respondeu enquanto se dirigia para o tasco local. Copo de mel, de seu nome, era o ponto de encontro da classe menos privilegiada da cidade, um verdadeiro aglomerado de rufias e bêbados de todas as formas e feitios. Não sei porque têm que fazer a reunião aqui. Tenho sempre medo de ser esfaqueado.
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O Nascer da Rosa Branca
FantasiaDuas décadas passaram desde a temível Guerra das Rosas Negras. O mundo, frágil e fragmentado, resiste por um fio. A esperança tem muitos nomes e muitos rostos. Pessoas comuns, mas extraordinárias, que lutam por um ideal utópico. O bem e o mal são, m...