Local: Avéno, Moncaelo
Ano: 628
Cada gole de cerveja que fazia deslizar pela sua goela, entorpecia, um pouco mais, a sua mente conturbada, que tão bem se sincronizava com o ambiente taciturno da tasca onde se encontrava. Ali, naqueles recônditos olvidados pela sociedade alta, sentia que podia ser ele próprio, e não a miragem irreal que tentavam que fosse, a ferro e fogo. Apesar de ser filho do grande Rei Aros, de Moncaelo, e de pertencer a uma família real centenária, no âmago da sua consciência, nada mais era do que um estranho que nunca pertenceu a lugar algum, sentindo dificuldade em sentir-se em casa, fosse onde fosse. Não obstante tudo isso, em condições normais, costumava ser a alma da festa, sendo chamado de bobo não oficial, tamanha a sua infantilidade e irresponsabilidade. Contudo, a visão do seu irmão agarrado a Loren*, com trocas de gestos e carícias, queimava, de forma vil, no seu, jovial, coração, sentindo uma vontade, gritante, de o arrancar, projetando-o para os confins do esquecimento. Em Moncaelo, a grande maioria da população possuía cabelos tingidos pelo sol e uma pele dourada, qual joia real, numa beleza monocromática sem igual, admirada em todo o mundo. Para finalizar todo o quadro idílico, os seus olhos iam do azul ao vermelho, tragando todos os tons no intervalo, numa multiplicidade digna de um florado jardim primaveril. Por norma, eram altos e esguios, com músculos tonificados, quais estátuas, perfeitamente, retocadas. No entanto, mesmo com linhagem real, o seu físico não podia ser mais distante do estereótipo, apresentando os fios de cabelos em tons acinzentados, sem qualquer saturação, e uma pele esbranquiçada, digna de alguém enfermo, que nunca viu o sol. Como se isso não bastasse, era considerado baixo, para homem, facto que o ostracizava, ainda mais, comparado às torres angelicais que o rodeavam.
Talvez por isso, tinha-se deixado apaixonar pela única pessoa diferente que conhecia, Loren, num amor explosivo e não retribuído, que tantas noites lhe tinha tirado, sonhando acordado com a carícia dos, carnudos, lábios, em contacto com os seus. A dor de não a ter, afundava-o nos limites remotos da tristeza, carregando os seus dias com um breu perturbador. Noite após noite, embebedava-se um pouco mais, na esperança de a esquecer, coisa que nunca aconteceu, sentindo que a desejava mais e mais, à medida que os dias passavam num espectro difuso e avassalador. Sabia que não era correto desejar a mulher do seu irmão mais velho, mas, no fundo, tinha a certeza que ela não tinha sido feita para ele, alguém prometido a casar com uma Princesa de outro reino.
Para de pensar nela, não a vais ter. Provocou o seu amigo, sentado no balcão, ao seu lado. Ela é boa demais para ti. Insinuou, com um sorriso travesso. Tal como a maioria dos habitantes locais, o seu companheiro era alto e magro, com os cabelos loiros como o sol. Os olhos, faziam lembrar um pasto puro e limpo, dotados de um verde intenso, capazes de sorver o olhar do mais distraído.
És algum tipo de Magon? Quem te diz que estou a pensar nela? Respondeu, chateado com a provocação.
Estás sempre a pensar nela, é exaustivo. Lamentou, tragando mais um gole de cerveja. Tanta mulher aqui para te divertires, porque tens que ter a do teu irmão? Indagou, apontando para o que os rodeava, numa alusão a todas as raparigas ali presentes, que em folia, festejavam o fim de mais um dia de labor.
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O Nascer da Rosa Branca
FantasyDuas décadas passaram desde a temível Guerra das Rosas Negras. O mundo, frágil e fragmentado, resiste por um fio. A esperança tem muitos nomes e muitos rostos. Pessoas comuns, mas extraordinárias, que lutam por um ideal utópico. O bem e o mal são, m...