A cada segundo que passava, sentia a sua respiração perder-se na sua própria angústia, à medida que galgava os terrenos rochosos da cidade, numa tentativa, selvagem, de sobreviver. À sua volta, num caos avassalador digno das maiores tragédias já cantadas, inúmeras labaredas dançavam, queimando tudo por onde passavam, com uma crueldade e inquietude perturbadora, ceifando a vida de centenas dos seus conterrâneos, que em impotência, apenas esperavam a eterna conquistadora, a súplica final. Pelo canto do olho, pontualmente, via sombras passarem pela escuridão com uma velocidade sobre-humana, largando guinchos agudos e atrozes, enquanto arranhavam as paredes com as suas garras afiadas. Aumentando a velocidade dos passos, tentou escapar ao manto opaco que se formava, dificultando a visibilidade do que os rodeava, sentindo, apenas, o toque cálido e confortável da mão de Loren, agarrada firmemente à sua.
Um grito agudo que parecia vir de uma criança, cortou os seus movimentos como um raio, paralisando-o dos pés à cabeça, quando já avistava um caminho desimpedido rumo ao Castelo. Porque paraste? Indagou Loren, admirada, enquanto tentava puxar pela sua mão. Temos a rota livre. Atirou, apontando para uma rua banhada pela tímida luz do crepúsculo.
Ouvi uma criança a gritar. Explicou, apontando para a usa esquerda. Uma densa neblina composta por fumo, tapava qualquer esperança de mirar o que acontecia no seu interior, aumentando o mistério que se fazia sentir.
E depois? Muitas crianças vão morrer hoje. Afirmou, puxando, novamente, pela sua mão. A vida do Príncipe é mais valiosa.
Discordo, todas as vidas são preciosas. E como costumo dizer, fora do Castelo não sou Príncipe nenhum. Brincou, piscando o olho. De seguida, soltou a mão da sua companheira, desembainhando a sua pequena espada da cintura. Foge e chama o meu irmão! Ordenou, atirando-se às incertezas do invisível, adentrando o vapor cerrado, cada vez mais enraizado.
Ao fim de alguns metros, viu uma rapariga agachada contra a parede, com o rosto tomado pelas lágrimas, que em dilúvio, inundavam as suas feições, numa visão aterradora, de fazer partir o coração. Os seus pequenos olhos marejados, fitavam em horror algo à sua frente, latejando na urgência do que aí viria. Tentando perceber o que era, sentiu todo o seu ser estremecer, levado pelos contos arrepiantes de monstros que ouvira quando jovem. A figura, assustadora, tinha a forma de um homem, curvado na zona das costas, com um comprimento mais pequeno que o habitual. Vários tumores revestiam a pele, mimetizando enormes cordilheiras acidentais, com uma elevação de louvar, salientada pela falta de pelo na totalidade do corpo. Nas suas mãos e pés, grandes garras projetavam-se, afiadas como espadas mortais, criadas para a arte da morte. Sabia que devia fugir com toda a sua velocidade, que devia virar as costas e sobreviver, contudo, aquele fitar desnorteado da criança pesava sobre ele, impedindo-o de se mover. Não a posso deixar sozinha. Pensou, fazendo um esforço para contrariar o seu medo.
Usando uma força de vontade que desconhecia, até então, soltou-se das suas amarras limitadoras, galgando o terreno até à criatura com uma velocidade que nunca tinha experienciado. Quase sem se aperceber, a lâmina da sua espada repousava na zona lateral do tronco da criatura, que com um guincho, tombou ao chão, momentos antes de conseguir atacar a rapariga. Ao removê-la, todo o seu metal estava tingido pelo escuro absoluto do sangue do monstro, substancialmente mais grosso que o dos humanos, pelo que podia ver. Anda comigo. Disse à rapariga, fazendo um gesto para que se aproximasse.
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O Nascer da Rosa Branca
FantasiDuas décadas passaram desde a temível Guerra das Rosas Negras. O mundo, frágil e fragmentado, resiste por um fio. A esperança tem muitos nomes e muitos rostos. Pessoas comuns, mas extraordinárias, que lutam por um ideal utópico. O bem e o mal são, m...