Local: Arredores de Gottlich, Heilig
Ano: 628
A dor que se propagava pelo seu, entorpecido, corpo, trazia-lhe um desconforto bem-vindo, um estranho bem conhecido, que o punha em cheque, quando fugia em demasia ao seu rumo. Cada estilhaço que perfurava os seus, despidos, joelhos, aguçava o seu temor por Skab, Deus de tudo que é sagrado e puro, lembrando-lhe do que, realmente, importava. Mesmo no meio daquela angústia autoimposta, conseguia encontrar um conforto inusitado, ao sentir um feixe, cálido, de luz embater no seu rosto suado, vindo de uma fenda no topo da gruta, iluminando a antecâmara com um ambiente divino, no mínimo. Sempre vivera escondido nas reentrâncias rochosas de Heilig, chamando o subsolo de casa, contudo, nunca se tinha, verdadeiramente, habituado à humidade e temperatura que se faziam sentir ali, onde a brisa nunca chegava com as suas boas novas. Irá chegar o dia em que viajarei pelo mundo, conhecendo mais do que rochas e cavernas. Pensou, entre preces.
Por norma, a sua reza cotidiana durava, apenas, uma hora, no entanto, devido aos seus pecados na noite anterior, teria que ficar mais duas, caso quisesse apaziguar a ira do seu Senhor, que tudo via e julgava. Sabia que a sua forma humana, repleta de vícios e fraquezas era imperfeita, cedendo aos caprichos da carne mais vezes do que devia, de acordo com as escrituras, e, por isso, a penitência era a sua chave de entrada no Reino dos Céus, quando a sua altura chegasse.
Sua Magnificência. Entoou Hilt, interrompendo as suas preces de uma forma abrupta.
Porra Hilt, sempre a mesma coisa. Não te sabes anunciar? Qualquer dia matas-me do coração. Resmungou, sentindo o seu coração bater com uma velocidade alucinante. Já devia estar habituado ao jeito fantasmagórico do velho, contudo, continuava a assustar-se com as suas aparições silenciosas. Para si, era como um pai que nunca teve, ajudando-o em todas as etapas da sua vida, de forma a prepará-lo para o seu destino final, e, talvez por isso, nunca o admoestou como deveria.
Desculpe. Pediu, com humildade, fazendo uma ligeira reverência. Porque se molesta, meu Sacerdote?
Sabes muito bem porque me molesto. Achas que não percebi quem enviou aquela rapariga para os meus aposentos ontem à noite? Indagou, fixando o olhar na estátua de pedra à sua frente, alvo da sua atenção enquanto ali permanecia. Com o corpo musculado de um humano normal, Skab era representado por uma cabeça de veado, dotada de uma armação enorme que se propagava alguns centímetros no ar, cortando-o com a sua extravagância, pautada por pedras preciosas, incrustadas na sua estrutura, que em pujança, refletiam a luz do sol de forma lustrosa. Segundo os contos, cada haste e cada corno do lado direito, representavam as virtudes humanas, já as hastes e os cornos do lado esquerdo, representavam as fraquezas e defeitos. Para os crentes, na hora da sua morte, eram recebidos pelo Deus, sendo avaliados pelos seus pecados em vida, conforme o lado mais protuberante, sendo o seu destino no mundo dos mortos, traçado em conformidade.
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O Nascer da Rosa Branca
FantasíaDuas décadas passaram desde a temível Guerra das Rosas Negras. O mundo, frágil e fragmentado, resiste por um fio. A esperança tem muitos nomes e muitos rostos. Pessoas comuns, mas extraordinárias, que lutam por um ideal utópico. O bem e o mal são, m...