A tímida luz lunar que entrava pelas largas janelas batia cada vez com mais frequência no seu rosto, à medida que "galgava" descontroladamente aqueles mortiços corredores. Uma perna atrás da outra, um gesto simples e trivial, um instinto primitivo e animalesco de sobrevivência que transcende a razão. As pesadas arfadas, carregadas de cansaço, juntamente com o som das suas botas no terreno rochoso, eram as únicas coisas que conseguiam abafar os gritos histéricos do soldado que se deparou com o seu posto vazio. Soldados! Soldados! Já não havia muito que pudessem fazer. Tinha um avanço considerável. Pensou.
Ao avistar uma das últimas janelas daquela secção, acelerou ainda mais a sua corrida, dando um salto poderoso que o projetou para a parte de fora do edifício. Nas zonas despidas do seu corpo sentiu o toque áspero e gelado da relva que amparou a sua queda. Já o cheiro a mofo que habitava as fossas nasais, foi substituído por um forte odor de lírios azuis que tinham feito do local a sua casa. Agachado, qual predador momentos antes de atacar a sua presa, continuou a passo rápido, protegido pela privacidade do denso manto de nevoeiro noturno. Desesperava pelo toque quente e acolhedor dos lençóis e pelo cheiro relaxante de lavanda que tão bem caracterizava a sua humilde casa. Pela sensação de segurança única e inigualável que apenas sentia no seu pequeno recanto. Ainda não. Pensou.
Quando já estava longe o suficiente para não ouvir o reboliço que tinha causado, despiu lentamente a sua armadura, escondendo-a num dos imensos arbustos ali presentes. A dor que sentia nos ombros foi aliviada instantaneamente e tinha agora a sensação de ser mais leve do que uma pena. Nenhum soldado o devia reconhecer. Pensou.
Depois de alguns minutos a caminhar para norte, à sua frente, erguia-se, orgulhoso, o famoso Jardim do Palácio Real, onde o seu destino o aguardava. Visto de cima, devia parecer um verdadeiro labirinto de sebes e árvores coloridas nas mais diversas formas e feitios. Um verdadeiro banquete de cores e odores que não deixava indiferente ninguém que por ali passasse. Agora, na calmaria inocente da noite e na sombra reconfortante da densa neblina, os tons vívidos eram substituídos por uma bela leveza monocromática.
Caminhou assertivamente, em busca daquilo que procurava. Tinha as mãos à volta dos despidos braços, esfregando-os graciosamente de forma a ludibriar o frio que teimosamente se fazia sentir. O vapor da sua respiração, opaco e quente, misturava-se numa dança perfeita sem melodia com os vapores do local.
No canto do seu olho, algo lhe chamou a atenção. Um brilho reluzente que contrastava com a penumbra reinante do local. Estava no caminho certo. Pensou. A Grande Fonte, símbolo indiscutível da arquitetura Vheponiana, mirava-o de frente, de igual para igual. O seu brilho intenso era causado pelo gentil toque da luz lunar na sua superfície rochosa polida. Ao aproximar-se mais, conseguia ver o seu reflexo de forma nítida. Sentia, pontualmente, as suaves gotículas de água que corajosamente se separavam do fluxo transparente e límpido que jorrava do topo da fonte. O som reconfortante da água a bailar na rocha, trazia-lhe saudosas lembranças da cachoeira que visitava quando em novo.
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O Nascer da Rosa Branca
FantasíaDuas décadas passaram desde a temível Guerra das Rosas Negras. O mundo, frágil e fragmentado, resiste por um fio. A esperança tem muitos nomes e muitos rostos. Pessoas comuns, mas extraordinárias, que lutam por um ideal utópico. O bem e o mal são, m...