The Beautiful Things

26. W I L L

Era uma menina...
Uma linda menininha...
Eu quase não podia acreditar!
É claro que a ideia de ter um menininho para mimar e cuidar seria uma coisa incrível, mas, era uma princesa, uma garotinha. Eu não era o pai daquela criança, mas, enquanto atravessava a rodovia, meus pensamentos pairavam sobre a nova integrante da minha vida.

Liguei o aparelho de som do carro configurando para tocar as músicas do meu pen drive, mas ele só fez um grande barulho antes de ser silenciado. Enruguei a testa o encarando e mexendo em alguns dos botões a fim de fazê-lo tocar, mas, nada aconteceu e eu desisti. Voltando aos meus pensamentos com um grande sorriso.

Tia May iria adorar a ideia de uma garotinha que ela pudesse ensinar truques de jardinagem. Eu já me imaginava em uma festinha em comemoração ao seu aniversário, onde ela aparecia com tiara de orelhinhas e um vestido bufante. E se sua primeira palavra fosse ketchup? E, se ela tivesse o sorriso da Sam, se fosse tão meiga e fascinante quanto ela?
Essa última pergunta me fez sentir um gosto amargo na boca. Eu não poderia pensar assim. Estava sendo injusto comigo mesmo. Essa bebê era de Suzan, e, eu não podia pensar em Samantha como mãe, em dividirmos aquela criança. Já era muito descabido envolvê-la em meus problemas.

Mas, o que eu poderia fazer?
Até a droga da sopa que ela faz, é suficiente para me fazer sentir melhor!
O que eu posso fazer, se quando eu colocava a cabeça no travesseiro, o futuro que eu imaginava era com ela, do lado dela?

A verdade que eu não queria enxergar era que eu tinha me acostumado com ela, e que, de uma forma ou de outra, eu não conseguiria me virar sem ela. Eu me perguntava constantemente em que momento da minha vida eu havia deixado isso acontecer. Quando eu parei de tentar afastá-la? Quando eu permiti que ela se tornasse parte tão essencial da minha vida?
E, por que eu ainda deixava que isso se perpetuasse mesmo sabendo que o destino não nos queria juntos?

Eu sabia muito bem o que estava acontecendo comigo. Ter Samantha por perto era incrível de mais, bom de mais, colorido de mais... Tudo que eu queria era poder me livrar de tudo o que eu sentia de ruim, desfazer as minha burradas e viajar com ela para um lugar bem exótico, tipo, o Brasil. Onde viveríamos de doces e geleia de frutas, onde todos os dias seriam férias, onde seríamos nós dois apenas. Entretanto, estamos na vida real, e, diferente dos contos, o felizes para sempre não acontece nessa parte da história, o príncipe encantado é devorado pela bruxa em um cauderão de água fervente em uma casa de doces... Acho que enrolei as histórias, mas tudo bem. Ou seja, é a vida real, sem mágica, sem para sempre, sem isso de doçura e felicidade.

Estacionei o carro e fechei o vidro das janelas aproveitando os poucos minutos para avaliar a situação. Dei algumas batidas no aparelho de som para me certificar que ele tinha realmente morrido e desliguei.

Eu não estava em bons lençóis com todas essas mentiras, mas, isso era, sem dúvidas, melhor do que as fãs invadindo a minha casa. Eu havia finalmente resolvido tudo quando dei para a assessoria a brilhante ideia de espalhar que tinha me mudado para o Havaí, e que a casa era de uma tia muito velha que costumava espremer as espinhas dos visitantes, e que eu não visitava com frequência. Depois de muitas mentiras e da imprensa ser pressionada para resolver o assunto, as fãs pararam de tocar a minha campainha, ou tentar subir no telhado para assaltar uma de minhas meias. Mas, de vez em quando, ainda tinha alguém querendo tirar fotos minhas pelo bairro.

Meu celular apitou e eu encarei mais uma notícia que saía sobre o último show, diferente das outras, essa não especulava sobre a saída repentina de Suzan e a entrada surpreendente se Sam. Não criticava nem elogiava. Era um site gospel que fazia questão de destacar o subtítulo em letras garrafais: "Nova vocalista da banda WRPJ surpreende fãs e espectadores do evento ao louvar Oceans no encerramento da apresentação"