1. S A M

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Aos poucos, pela janela do avião, fui vendo Wisconsin se afastar. A cidade onde eu nasci, onde cresci e que hoje estou deixando.
Minha caminha confortável, minha igreja, meus pais, meus amigos...lá no fundo eu tinha medo, medo de não ser como eu queria e de ter me precipitado.
Mas era o meu sonho, e eu tinha a plena certeza de que era isso que Deus queria para mim.
Sentei-me confortavelmente na poltrona e abri um dos três livros que eu havia trago para ler na viagem, afinal, seriam horas dentro desse avião.

Eu só espero que ele não exploda com o meu nervosismo, afinal, até ele é desastroso. Eu era tão estabanada que o fato de estar nervosa já me soava como um alerta de que coisas ruins podiam acontecer. Se formos contar com meu azar, nada seria impossível.
Coloquei os óculos dourados de lentes finas no rosto e comecei a devorar cada linha daquele livro que já havia lido umas três vezes e que, segundo meus pais, não tinha graça e nem sentindo algum.
Eu não era nerd. Só gostava mais de dialogar com os personagens dos livros do que com as pessoas, eles pareciam me entender mais e eu gostava de discutir com cada página. Sim, talvez eu seja mesmo nerd...
Mas não me leve a mal, nunca fui de muitos amigos. No período do colegial, fiz amizade com um grupo de cinco pessoas, fui expulsa do grupo dois dias depois por não me conter e falar umas boas verdades para aquelas pessoas que só pensavam em festas e em bebedices.

Eles não eram o tipo de pessoas que eu sonhava em me misturar. Eu queria estar perto de pessoas que tivessem a mesma fé em Deus que eu tenho, que estivessem dispostos a sentar e questionar sobre a bíblia, a comentar e falar sobre o grande amor de Deus, mas bom, eu não tive muita sorte em achar pessoas assim em Wisconsin.
Mas tudo bem, eu tinha meus irmãos da igreja que por incrível que pareça eram todos mais velhos que eu, ninguém com dezoito, só de trinta para cima. Os jovens de Wisconsin geralmente imigravam para o mundo afora em busca de oportunidades de emprego e estudo.

Mas do que eu estava reclamando? Eu tinha Deus, meus pais, e meus livros que são ótimos ouvintes. Minha vida é perfeita.
Porém eu sentiria saudades dessa "vida perfeita". Sentirei saudades de subir em um púlpito e pregar a palavra de Deus, de louvar na igreja, de todos os congressos, de ir todos os sábados pela manhã na biblioteca, de circular Wisconsin inteira de bicicleta...

Okay, Sam! Nada de choro!

Respirei fundo e olhei pela janela mais uma vez e pensei nos meus pais, se eu bem os conheço, agora estariam sentados no sofá, meu pai aos prantos e minha mãe o confortando. Certamente a casa sentiria minha falta, falta da garota desastrada que vivia gritando pelos cantos quando algo desastroso causado por ela mesma acontecia.
O resto da viajem foi, resumidamente, bom, tranquilo, na paz e no amor.
O avião aterrissou, e, junto com dezenas de pessoas, desci do avião carregando minhas duas grandes malas de rodinhas e minha mochila presa aos ombros, não estavam pesadas, só a ponto de derrubaram uma morena de dezoito, que por acaso era desastrada por si própria.

Ofegante e com dificuldades em carregar as malas extremamente pesadas, caminhei pelo aeroporto em busca de Maydan Clarisson e seus belos olhos escuros.
Tia May era um apelido carinhoso pela qual todos a chamavam, se bem que uma pessoa carinhosa e que faz biscoitos magníficos merece ser chamada de tia.

Maydan era minha ex vizinha e melhor amiga da minha mãe desde o colegial. Ela se mudou de Oregon quando sua irmã mais nova morreu e ela teve que cuidar de seu sobrinho que por acaso, me faria companhia quando eu não estivesse na faculdade, segundo tia May, ele não parava muito em casa e eu nem notaria sua presença.

Dominada pelo cansaço e quase perdendo os sentidos, — meio exagerado, eu sei — bufei me sentindo perdida em meio a tantas pessoas, mas, graças a Deus, logo vi a tia May cruzando o oceano feito de corpos para, enfim, salvar a sobrinha que, com o rosto já em pura vergonha, tropeçava sempre em alguma pessoa murmurando um pedido de desculpa.
Alta, magra e cabelos claros e com seu velho sorriso de orelha a orelha, tia May veio correndo em minha direção com os braços abertos, soltei as malas e deixei a mochila grande que carregava em um dos ombros cair no chão enquanto me permitia ser abraçada pela mulher que exalava perfume de mãe em todos os sentidos.

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