Ossos do Ofício

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Acordei atordoada com o despertador tocando.

Olhei para o lado e estava sozinha na cama.

Cadê Bruno?

Levantei preguiçosa, enfiei rápido a camisola e fui andar pelo apartamento para ver se ele ainda estava lá.

— Bom dia! — Bruno falou da cozinha, abrindo um largo sorriso quando me viu.

Ele estava terminando de fazer sanduíches e havia uma jarra térmica na mesa, com um cheiro característico que denunciava café coado e fresco.

— Acabei me aventurando na sua cozinha, espero que não seja problema! — Ele pontuou cuidadoso ao me ver escaneando tudo.

— De forma alguma! Uau! — Eu sorri aquecida e sem graça com tanta mordomia.

Automaticamente, fui até ele e o abracei pelas costas, apoiando a minha cabeça ao lado do seu pescoço. Puxei do ar o seu cheiro e fechei os olhos em consequência. A mistura dele com café era algo inacreditavelmente gostoso e envolvente. Não queria sair daquele momento. Faltava nada.

— Dormiu bem? — Bruno perguntou, envolvendo o meu braço com os seus, de costas mesmo.

— Muito bem. Nem percebi! — Despertei e comentei, dando-me conta que apaguei nos braços dele. — E você?

— Melhor que muitas noites... — Bruno virou o seu rosto para mim. — Você é especialmente linda dormindo.

— Acredito que entendo o que quer dizer. Também fiquei te observando de madrugada.

— Ah, é? Acordou antes?

— Acordei quando o sol nascia. Gostei de poder ter visto você ali do lado...

Bruno ampliou mais o seu sorriso e apertou a sua cabeça na minha.

Rocei o nariz em seu pescoço, sentindo paz...

— Vamos comer! Fiz pra nós. — Bruno disse.

O café da manhã continha amor, calor, e um companheirismo alegre. Conversamos amenidades e trocamos muitos sorrisos e gestos simples de carinho, como servir café ao outro, dar um pedaço do que comia, um beijo na bochecha e olhares sorridentes.

Eu poderia me acostumar com isso e sei que seria mais feliz tendo uma rotina com essa sensação de amor e cuidado aparentemente incondicionais. Era difícil eu confiar em alguém e deixar cuidarem de mim, e Bruno estava conquistando esse espaço aos poucos e com louvor...

Tinha consciência que eu dificultava a proximidade e que se preocupassem demais comigo, e não era à toa. Os meus pais não foram do tipo protetores...

Ao contrário, àquelas horas em que as crianças comumente adormeciam sob a tutela deles, eu passei repetidamente por situações ameaçadoras em que poderíamos morrer, o que me mantinha sempre alerta e não me permitia crer que poderia confiar a minha segurança a qualquer outro alguém. Isso inclusive me levou à solitude — descobri após alguns anos de terapia.

Respirei fundo.

Gostaria que ter a consciência dos motivos dos traumas etc, pudesse ser o suficiente para superá-los. Era frustrante me ver ainda hoje agonizando sem controle de alguns sintomas comportamentais do que sofri no passado.

— Está tudo bem? — Bruno perguntou olhando-me atento.

Percebi que estava divagando desligada do agora enquanto mastigava o final do sanduíche sem perceber como estava gostoso degustá-lo em sua companhia.

— Está! — Forcei um sorriso (mas ele era real, eu só havia esquecido de mostrá-lo).

Resolvi complementar. Bruno merecia saber.

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