Capítulo 17

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ETHAN STONE

Baquetas na mão, pedal batendo no bumbo, chimbal ressoando; tons, surdos e pratos sendo atingidos pelas baquetas. Paz. As ondas sonórias ecoam da bateria e parecem atravessar meu corpo, não há tempo, não há regras. É o momento que consigo esquecer os problemas, as perturbações não me perseguem e o passado não me assombra. Continuo a mover meus braços e batendo os pés seguindo o ritmo, a música é um consolo que acalma a alma. Estar em uma bateria é a chance de desfrutar a paz.

É como uma fodida guerra interna, ao mesmo tempo que consigo extravasar tudo o que está preso dentro de mim também recordo os maus momentos que tive. Eu chegava do trabalho tarde, no tempo livre estava na casa dos Hutton com os caras e um belo dia, quando eu tinha fodidos dezessete anos cheguei do trabalho uma noite e minha mãe estava caída no chão do que chamávamos de sala, o trailer estava uma bagunça e ela estava no meio de uma poça de vômito. Foi uma cena horrível. Chamei por ela e não recebi resposta, me aproximei para sentir seu pulso mas não encontrei nada. Aproveitei que o pai do Drew não estava na cidade e me abriguei por lá enquanto chamava a polícia.

Minha mãe - ou a mulher que deveria ser minha mãe - havia morrido de overdose aproximadamente duas horas antes que eu chegasse em casa. Não posso mentir e dizer que lamentei, caralho, não lamentei porra nenhuma. Ninguém ligou que eu tivesse dezessete, faltava poucos meses para ser maior de idade mesmo*, fui simplesmente largado a própria sorte e se não fosse pela tia A ou pelos caras não sei o que teria acontecido comigo.

Vendi o máximo que pude daquele trailer pequeno e fedido, consegui juntar uma grana decente e guardar parte para emergência; a outra parte entreguei a tia A em uma forma de agradecer tudo o que havia feito por mim e por me deixar dormir no sofá quando não consegui voltar àquele maldito trailer.

O dinheiro que guardei veio a ser muito útil no futuro, foi parte do que sustentou a gasolina e nossa comida barata enquanto nós quatro entramos no carro e atravessamos o país rumo a LA. Quatro idiotas sem nenhum senso de autopreservação, sobrevivendo com pequenos shows em bares decadentes ao longo da estrada. Foi uma loucura insana, nem tia A conseguiu nos convencer a ficar, estávamos certos de que conseguiríamos alguma coisa na Califórnia e a música nos daria isso. Nunca imaginamos estar onde estamos. A vida é uma coisa doida.

Quando já estou suficientemente encharcado de suor, ofegante pelo esforço prolongado e com os braços doloridos que decido fazer uma pausa. Para a minha surpresa há uma movimentação do lado de fora da cabine, na área de controle. Uma das maravilhas na casa do Vince é ter um estúdio montado no que seria o porão, com o isolamento acústico é possível brincar por um bom tempinho aqui sem ser interrompido.

A contragosto retiro meus fones de isolamento - tática usada para não ficar surdo quando toco em um lugar minúsculo e fechado enfrentando o som forte do meu instrumento - e resgato uma garrafa de água no chão quando a figura finalmente abre a porta e entra na cabine.

-Quando me disseram que você estava pobre eu não acreditei.

-O que faz aqui? - Uso o dorso de minha mão para limpar o suor que escorria para o meus olhos - Pensei que estivesse ocupado demais com sua própria vida.

-Estou em uma passagem rápida por seu país, resolvendo assuntos da empresa e pensai em verificar como andam as coisas. - Dá de ombros com descaso por voar pelos céus em seu jatinho particular - Conheci a namorada do Jake, uma graça. Ela se disponibilizou em preparar o jantar.

-Preferimos o termo "garota", namorada é um título usado demais por aí. O que se costuma usar na Itália, senhor Matteo Santinelle?

-Não sei, não costumo me misturar ao mortais. - Continua a desfilar pela cabine em seu terno caro e impecável, seu olhar interessado demais na minha bateria - Na minha família eles já seriam casados há tempos, não duvide disso.

-Sua família é conhecida por casamentos apressados nós, meros mortais, preferimos deixar as coisas ao seu devido tempo.

-É por essa enrolação que não me misturo ao mortais. - Sorri de modo debochado e encosta-se no vidro com os braços e tornozelos cruzados - Conte para o tio Matteo que merda está acontecendo na sua vida agora?

-Eu sou o tio Eth aqui e você não é um terapeuta.

-Posso ser o cara que resolverá os seus problemas.

-Com o que? Chamando seus seguranças?

-Não zombe dos negócios da minha família desse modo tão banal, americano. Você ganha a vida batendo dois pedaços de madeira em tambores e eu não o julgo por isso.

-O que sua família faz de verdade, Matteo?

-Eu já disse e é o que todos sabem, nós trabalhamos com segurança privada e investimos no ramo de armas.

-E conseguem manter a vida luxuosa de toda a família só com segurança privada?

-Você ficaria chocado com o trabalho que é manter um político vivo.  Não estou aqui para falar de mim ou da minha família de qualquer maneira, quero saber o que aconteceu.

-O que faz parecer que algo está errado?

-Estive por duas horas sentado naquela mesa com muitos botões esperando você terminar seu show de bateria. Lexy me disse que você já estava aqui em baixo há três quando eu desci.

-Gosto de praticar, não há problema nenhum nisso.

-Foi a viagem da sua namorada-não-namorada para a Inglaterra que o deixou assim?

-Drew andou fofocando para você outra vez?

-Não, dessa vez foi o Jake. Ele também mencionou algo sobre uma irmã perturbada querendo dinheiro.

-Como conseguiu essa informação dele? Jake não falaria da minha irmã tão de modo tão fácil, especialmente para você.

-Oh, querido baterista cabeludo, eu posso ser muito convincente quando quero.

-Oh, querida Barbie italiana, colocou seus seguranças para ameaçar meu pobre menino sofredor?

-Primeiro que seu pobre menino não é pobre de fato e segundo, pelo que meus olhos viram lá em cima, ele está longe de qualquer sofrimento.

-Que apelido sugere então?

-Posso pensar em algo, de preferência enquanto comemos porque viajei durante horas, trabalhei muito e estou faminto.

-Podemos ver se Lexy terminou o jantar que prometeu, garanto que a comida dela é muito boa.

-Isso seria ótimo. - Encara seu Rolex no pulso - Preciso estar no aeroporto dentro de uma hora e meia, preciso voltar para casa.

-Claro, você é um homem casado e muito devoto a sua mulher.

-Se fosse casado com uma mulher como a minha você entenderia. Até lá contente-se com seu lugar de mortal.

O Baterista - A5 livro 2Onde histórias criam vida. Descubra agora