Capítulo 34

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Eu sabia. Minha empolgação com as metas que tinha determinado, não duraria por muito tempo. De fato, não durou. Mas, diferente das outras vezes, eu não parei. Continuei sem empolgação mesmo. A vida é assim, afinal. Nem todo dia é bom.

Como sempre, mantive em minha mente que eu era a única pessoa responsável por mim e pelas minhas atitudes. Me esforcei para entender isso, pois a frustração já batia na porta, e eu precisava enfrentá-la. Já fazia uma semana que eu não via Ben e não falava com ele. Oito dias sem o meu Ben na minha vida. Liguei para ele, na esperança de tentar consertar o que eu tinha feito, mas ele não atendeu. Depois, enviei uma mensagem em seu WhatsApp e, como a ligação, não foi respondida. Foram poucas tentativas, mas decidi não insistir. Não porque eu não o amava, mas porque ele merecia ser respeitado. Sabia que tomar essa decisão também tinha sido muito doloroso para ele. Imaginei que quisesse cortar os contatos comigo para ser mais fácil. Sendo assim, eu não deveria piorar as coisas.

Quando estava ocupada, eu reagia melhor a qualquer situação. Mas, apesar disso, me sentia deslocada e acordava insatisfeita todos os dias. Fazia tempos que me sentia assim, em relação ao trabalho. Decidi que estava na hora de dar uma chance às minhas vontades e resolvi pedir demissão da escola. Ficariam inconformados, me questionariam milhões de vezes o porquê, mas era o que eu desejava no momento. Meus pais ligariam assim que soubessem, me dariam a maior bronca do mundo, e tia Carmen custaria a aceitar, mas eu estava tranquila, pois, dessa vez, não tinha nada a ver com os problemas que me fizeram pedir as duas licenças. Não era a dor da rejeição outra vez. Era apenas ambição de tentar algo novo, de recomeçar.

Não me senti frustrada, o que geralmente acontece após uma demissão, independente de como tenha sido. Eu tinha escolhido isso e não estava arrependida. É claro que pensava em como as coisas seriam dali para frente, o medo de não conseguir emprego depois, também me perseguia, às vezes. Contudo, nada demais. Os dias estavam passando e eu me sentia cada vez mais segura da decisão que tinha tomado.

Retomei o hábito de cozinhar. Fazer doces era como uma terapia; eu levava jeito. Aproveitava o período em que tia Carmen estava na aula de pilates, para usar a cozinha à vontade e sem interrupções. Arrisquei sair do básico que estava acostumada, ninguém mais aguentava torta de maçã. Perdi o medo e fui além, tentando outras receitas que já tinha feito com tia Carmen e com mamãe. Pensei nela e em papai; talvez já soubessem que eu tinha saído do trabalho, mas não haviam entrado em contato ainda, o que era um milagre. Me peguei pensando em Ben... Por um instante, esqueci que não estávamos mais juntos. No impulso, imaginei em como ficariam os cupcakes e já ia buscar o celular para contar tudo. Se dessem certo, o convidaria para passar em casa depois do expediente e provar um, ou dois, três... Quantos ele quisesse. 

Despertei dos pensamentos num susto, quando o telefone da cozinha começou a tocar. Estranhei. Mal recebíamos ligações pelo residencial, apenas quando se tratava de algo formal e sério. No primeiro momento, torci para que fosse Ben, mas logo caí na real que isso era muito improvável, já que ele tinha meu número de celular.

— Alô?

— Ruby? É você, meu bem? — perguntou a voz inconfundível do outro lado da linha.

— Sim, sou eu, mãe.

Eu tinha acabado de pensar nela...

— Está tudo bem? O que houve com seu celular?

Olhei para a bancada ao lado, onde eu o havia deixado. Certamente estava no silencioso. Eu costumava deixar, na maioria da vezes nem era proposital. Mamãe detestava isso.

— Me desculpa, eu não o ouvi tocar. Acho que deixei no...

— Silencioso — concluiu ela, me interrompendo. — Imaginei.

Rimos. Não levei bronca, dessa vez. Havia algo estranho, não apenas por isso, mas ela estava falando com um tom de voz super suave, como nas vezes que ligou quando eu estava doente, ou depois do término com Josh. Era um tom de cuidado. 

— Estou com saudades, mamãe. Como vão você e o papai?

— Estamos bem. Seu pai não pôde ligar junto, está no trabalho, e eu não aguentei esperá-lo chegar. — Permaneci em silêncio, esperando que ela continuasse. — Sua tia nos contou sobre Ben... Espero que não fique chateada, ela se preocupa com você.

— Tudo bem. Não estou chateada. Estou feliz que tenha ligado. Vou aproveitar a oportunidade para contar uma coisa, mas peço que me ouça e tente me entender, tá bom?

— Sobre sua saída do trabalho?

— Ah... Tia Carmen também contou?

Fiquei surpresa. Eu esperava outra reação dela. 

— Contou sim.

— É. Eu decidi que está na hora de tentar algo novo. Eu adoro lecionar, mas, sinto que falta algo... Não sei explicar. Quero um tempo para experimentar coisas novas. Pode ser apenas uma confusão. Quem sabe, depois de experimentar outras coisas, eu descubra que minha praia é, de fato, lecionar? Se for o caso, eu volto tranquilamente.

— Entendo. Mas, me diz, como você se sente?

— Um pouco insegura, admito. Tenho medo de me perder no caminho, não conseguir encontrar mais nenhum emprego, destruir minha carreira...

— Não. Eu perguntei sobre Ben.

— Ah... — Fechei os olhos, na tentativa de conter o choro. Eu não tinha percebido o quão fragilizada estava. Ainda não tinha falado sobre aquilo com ninguém. — Eu sinto um arrependimento muito grande. 

— Por quê?

— Pensei que precisava de uma coisa, e corri atrás disso com todas as minhas forças. Na verdade, eu precisava mesmo, mas se tivesse noção do preço que teria que pagar por isso... 

Não consegui guardar as lágrimas. Estávamos afastadas fisicamente, mas é inexplicável a capacidade que uma mãe tem de transmitir segurança para seu filho. Eu só me senti segura para chorar e confiar no colo dela, mesmo com quilômetros nos separando.

— Sei que você nega, todas as vezes, mas não vou desistir. Caso não aceite, tudo bem, mas peço que pense com todo carinho. Certo?

— Certo — eu disse, ciente o que seria.

— Vem passar uns dias com a gente. Tira umas férias de tudo. Vem pra casa.

— Sabe, dona Vânia... Eu te amo! Embarco no primeiro voo de amanhã.

Alguém Me DisseOnde histórias criam vida. Descubra agora