Capítulo 09

37 8 7
                                    

Depois

Olhei para a porta de entrada do Castelo das Tulipas ao notar que alguém estava entrando, mas não era a Evelyn. Já era o nosso segundo encontro, na mesma semana. Ela quase sempre se atrasava, não muito diferente de mim, mas, eu podia dizer que estava melhorando, ao contrário dela, que estava cada vez pior. 

Chequei as horas no relógio da parede, e soltei um longo suspiro. Vinte minutos de atraso. Observei o café, mais uma vez; não estava muito movimentado, havia poucas pessoas, e a calmaria trazia uma sensação maravilhosa. Era justamente por isso que sempre nos encontrávamos às 16:00h. Logo mais às 18h:30min, o local passaria a ter muito mais movimento e, consequentemente, não seria tão agradável; não para nós, pelo menos. 

— Com licença, senhorita — falou o jovem garçom, enquanto me servia um cappuccino. 

— Ah, deve haver algum engano. — Olhei com estranheza. — Eu não fiz nenhum pedido ainda. 

— Sim, claro. Perdoe-me a indelicadeza. Pediram para entregar, mas sem revelar a identidade. 

Fiz uma careta, seguida de um sorriso sem graça, mas assenti. Chamei por Marie, que também trabalhava no café e já havia se tornado uma amiga minha e de Evelyn. Ela, certamente saberia de algo e não deixaria de me dizer. Enquanto vinha ao meu encontro, dei outra olhada por todo ambiente, dessa vez, analisando. Não havia nada suspeito. 

— Olá, Ruby! Posso ajudar?

— Espero que sim. — Fiz sinal para que ela se aproximasse. 

Expliquei o que estava acontecendo. Ela sabia do ocorrido, haviam falado na cozinha.

— Sinto muito, não tenho como saber — respondeu. 

— Como não? Você cuida dos pedidos, não é?

Ela fez que sim.

— Mas já recebo a comanda pronta, apenas passo para o sistema. 

E era verdade, nunca a tinha visto anotar pedidos nas mesas, exceto no balcão. 

— Alguém não saberia? Seus colegas... — insisti. 

— Querida, seria difícil. Sabe-se lá quantas pessoas pediram um cappuccino. — Ambas pensamos um pouco, até que ela abriu um sorriso, como se tivesse descoberto uma solução naquele momento.  — O número da mesa deve estar na comanda! Como não pensei nisso antes? 

Ela saiu disparada para o balcão, antes mesmo que eu pudesse dizer alguma coisa. Não demorou muito para que voltasse, mas sem muita animação.

— E aí? — Apressei-me em perguntar. 

— Mesa de número doze. Foi pedido um croissant de chocolate, um expresso e um cappuccino para entregar na mesa quatro, que é a sua. Mas a doze já está vazia... 

Olhei para a mesa doze, que ficava atrás de mim, um tanto distante e escondida por algumas plantas e decorações do local. Não dava para lembrar quem tinha sentado lá. Talvez eu nem tivesse notado. Agradeci a Marie pela ajuda e comecei a tomar o cappuccino. 

— Me desculpa! Vou tentar me explicar!

Evelyn estava trinta minutos atrasada. Fiz um sinal, indicando que não precisava, enquanto ela se acomodava na cadeira com três bolsas da Dior. 

— Já faz um tempo que eu queria esses sapatos. Os três saíram por um preço ótimo!

— Nem me lembro da última vez que comprei sapatos. Qualquer coisa nova, na verdade. 

Nunca fui de gastar dinheiro exageradamente com coisas que não fossem necessárias. Mas, desde criança, eu amava comprar sapatos. Acredito que por incentivo da minha mãe, que amava ainda mais do que eu. Ela me chamara a atenção diversas vezes por usar chinelos demais e quase sempre optar por sandálias baixas e abertas, no verão, ou tênis e sapatilhas, no inverno.

— Pode pegar os meus emprestados quando quiser — disse Lyn, enquanto ainda arrumava as bolsas na outra cadeira ao lado. Assenti. — Que bom que já pediu algo para beber. Eu realmente me atrasei. Desculpe. 

Balancei a cabeça com um sorrisinho desconfiado. 

— O que foi?

— Eu não pedi — falei baixando o tom de voz, nem sabia o porquê. — Alguém pediu para me servirem em segredo. 

Evelyn olhou indiscretamente pelo café.

— Não está mais aqui. Não consegui descobrir quem foi. 

— É tipo... um admirador secreto? — perguntou divertida. 

Conhecendo a Evelyn há anos, sabia que ela não desistiria do assunto até descobrir quem seria o tal admirador. Se é que era mesmo. Poderia ser um simples cortejo de alguém que me viu sozinha por um bom tempo. A pessoa podia ter achado que eu tinha levado um bolo, sentiu pena e quis ser gentil. Por outro lado, se o motivo fosse esse, faria muito mais sentido se a pessoa tivesse ido me fazer companhia. A menos que fosse tímida. Ou estivesse sem tempo. Bom, havia inúmeras possibilidades, entre elas, a de ter sido um engano.

 — Se eu fosse você, não tentaria descobrir. — Olhei surpresa para ela. — Sim! Vai ver pode ser mesmo um admirador e, se for, vale a pena se divertir um pouco, antes de descobrir quem é. Uma hora, ele vai se revelar e daí, quem sabe, pode até rolar alguma coisa. 

— Não seja boba. Isso pode ser até perigoso. — Ela revirou os olhos. — É sério, Evelyn. 

— Tudo é perigoso, Ruby. Viver é perigoso. 

— Você sabe que não quero ficar com mais ninguém. 

— Por que não? 

Olhei para ela, como se apenas com o olhar, pudesse lhe dar a resposta óbvia. 

Porque já amei o que tinha de amar. E sofri com isso. Porque o Josh é o amor da minha vida e não existe mais de um amor na vida. 

— Você sabe.

— Então não fique. Mas viva. Você precisa viver. Se permitir!

— Repito, é perigoso. 

— Andar na rua é perigoso, estar aqui é perigoso, trabalhar é perigoso, amar o Josh também é perigoso...

— É diferente! — interrompi.

— Por que é diferente?

Baixei a cabeça. Também não sabia dizer o que era diferente. Porque não era. 

— Ele não te merece, Ruby... — Ela amaciou a voz e segurou minha mão com toda delicadeza. 

— Eu sei. 

— Vai passar. Tá bom?

Fiz que sim. 



Alguém Me DisseOnde histórias criam vida. Descubra agora