Capítulo 03

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Dormi. Não sabia por quanto tempo nem fazia ideia de que horas eram, mas ainda era dia, dava pra ver da janela. Tia Carmen ainda estava no jardim, sequer tinha levado a bandeja com as xícaras de volta para cozinha. Encostei a testa no vidro e a observei, desfocadamente, aparar algumas de suas plantas. Ela passava horas fazendo aquilo, mesmo sabendo que logo iam secar totalmente. Eu gostaria de ser como ela. Tivera um casamento bem sucedido, andava dizendo que viveu o que tinha de viver ao lado do tio Paul. Falava dele com emoção; seus olhos marejados eram super notáveis. Havia saudade, felicidade, satisfação. É por isso que gostaria de ser igual a ela; por isso e por muitos outros motivos.

Meus pais nunca concordaram com minha mudança, apesar de se darem muito bem com a tia. Meu irmão tinha saído de casa dois anos antes de mim, e eles tinham feito o mesmo drama. Tive medo de chateá-los, mas, logo entendi que já tinha idade suficiente para fazer minhas escolhas. E logo acostumariam. Além deles, deixei alguns amigos, e nem sei se posso chamá-los assim, pois, desde a mudança não recebi nenhum telefonema, mensagem, nada. Eu também não o fiz; o que prova que é recíproco, e isso nunca me incomodou. Na verdade, nem me surpreende. Mas, eu sentia falta da Evelyn, minha única amiga. Por onde ela estaria?

Peguei meu celular e acessei no Instagram. Já ia clicando na lupa para procurar por seu nome, mas, de primeira, o feed exibiu uma foto dela, acompanhada do noivo. Ou já era marido? Abri seu perfil e não havia nada sobre casamento, fotos, stories, nada. Ah, Ruby, a Evelyn é sua amiga, se fosse casar, te avisaria, você seria a madrinha, pensei. Mas será que as coisas não haviam mudado? Não. Esse era nosso sonho quando criança: casar na praia ou no campo e sermos as madrinhas uma da outra. Eu duvidava que tivesse alguém para ser meu par, e Evelyn logo dizia que teria, sim. E se não tivesse, eu deveria entrar sozinha com meu vestido cor de rosa. Rosa pink!

Senti saudade, mas não sabia como iniciar uma conversa. Tudo bem, era só falar: "Oi, como vai?" Mas ela sempre odiou essas formalidades, tratando-se de uma pessoa que já conhece e tem intimidade. Contudo, a pergunta era: Será que ainda a conhecia? Ela deveria ter mudado. Tinha menos de um ano que havíamos falado pela última vez, mas, eu sabia que menos de um ano é mais que suficiente para mudar tanta coisa. E como...

Decidi fazer um comentário em sua última foto, a qual aparecia com o noivo. Dois minutos depois, Evelyn respondeu com um emoji de coração. Nossa. É isso. Desisti e resolvi levantar. Olhei pela janela, e a tia Carmen ainda estava no jardim, parecia super concentrada com as plantinhas e cantava algo, não dava para ouvir, mas já imaginava que música poderia ser.

Fui cantarolando enquanto andava pela casa, até que parei no cômodo favorito do tio Paul, que eu também amava; a biblioteca. Lembro como se fosse ontem, ele pegava o livro de A Bela e a Fera e lia a história para mim, sempre que eu pedia. Meu pai, falava: "Não faça todos os gostos da Ruby, Paul, assim ela nunca vai te deixar em paz", e riam. O tio dava de ombros, sempre, e continuava a me contar a história de um jeito tão empolgante que só ele sabia. Nos divertíamos muito... Ele dizia: "A Ruby vai ser professora, tenho certeza disso". Meus pais já preferiam que eu fosse médica ou advogada, e a tia Carmen, repreendia a todos, dizendo que eu poderia ser o que eu quisesse. No fim, tio Paul estava certo. Sentia meu peito aquecer ao lembrar daqueles momentos. Ele era tão querido, tão amado e sempre foi muito bem acolhido pela família quando casou com a tia, que é irmã mais velha do meu pai. Bem, eu ainda não tinha nascido quando casaram, mas era o que todos diziam.

Antes

Depois do banho de chuva, me apressei em me aquecer para não ter nenhum resfriado. Engraçado que eu não parava de pensar no homem que tinha me dado a carona mais maluca da minha vida. Mas, percebi que isso era bobagem e que eu, certamente, não o veria outra vez. Tentei despistar os pensamentos e fui ajudar tia Carmen com o jantar.

Depois da louça lavada, fui para a cama, afinal teria que chegar cedo na escola no dia seguinte e organizar a sala para a aula prática de teatro com as crianças.

No outro dia, segui a rotina e, para a minha sorte, não choveu. Cheguei seca e limpa na escola. Tentei me apressar e ir logo para a sala. Nada contra os outros professores, mas, alguns deles, com mais tempo de profissão, que pareciam exaustos, costumavam conversar bastante, e o que era pra ser uma simples conversa formal, se tornava, sempre, num desabafo de profissionais muito experientes que gritavam um "Socorro! Não aguento mais!" em suas feições cansadas. Bom, eu tentava fugir daquilo para evitar frustrações. Só tinha dois anos desde o término da minha faculdade, estava no meu primeiro emprego.

— Bom dia, senhorita Collins — falou o tão gentil porteiro do colégio, com a mesma alegria de todos os dias.

— Bom dia, Gomez!

O Gomez já tinha uma certa idade madura, acredito que na faixa dos sessenta. Ele sempre foi muito agradável, desde a minha chegada. Eu tentava cumprimentá-lo antes, mas nunca conseguia; quando ele notava que eu estava perto o suficiente para ouvi-lo, já abria um sorriso.

— A diretora pediu para avisar que, antes das aulas darem inicio, fará uma breve reunião com todos os professores, senhorita.

— Está bem. Muito obrigada por me avisar.

Segui para a sala de reuniões um tanto insatisfeita, tinha outros planos, por isso havia chegado mais cedo.

Ao entrar na sala, alguns professores já estavam sentados, esperando pelas novidades, aparentemente tão curiosos quanto eu. De repente, entraram pela porta, a diretora Ashley e um homem atrás dela. Me esforcei um pouco para ver seu rosto e descobrir quem era... Era ele! Josh?  ou era Joe? Ele não me viu. Se dirigiram à frente de todos, sentaram e também aguardaram até que os outros professores chegassem. Olhei para ele o tempo inteiro, mas ele ainda não havia me notado. No decorrer da reunião, a diretora informou que Josh era um avaliador educacional e faria parte da nossa equipe na escola. Fiquei feliz com a notícia e, de primeira, olhei para suas mãos, a fim de me certificar se havia algum anel de noivado ou de casamento. E não tinha. Não que eu já tivesse algum tipo de interesse, era apenas um costume, desde adolescente. 

Quando a reunião acabou, os professores foram dar as boas vindas ao novo colega de trabalho, mas fiquei um pouco indecisa se deveria ir falar com ele ou não. Decidi aguardar na porta e aproveitar o momento que ele fosse sair. Observei-o vir em direção à saída junto com a diretora e assim que pôs os olhos em mim, lancei um sorriso tímido. Ele não esboçou reação alguma e continuou andando. Meu coração acelerou.

— Oi, seja bem vindo à equipe! — falei, estendendo a mão.

Ele apertou.

— Essa é a senhorita Collins, professora de teatro — apresentou a diretora.

Ele me olhava como se não me conhecesse. Será que havia esquecido? Eu não estava tão diferente do dia anterior. Só tinha mudado o vestido por uma calça jeans, uma blusa branca de manga longa e uma echarpe cor de vinho...

— Sou a Ruby...

— Eu sei.

Alguém Me DisseOnde histórias criam vida. Descubra agora