Capítulo 28 - Deixem A Salada Para A Noiva

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As duas semanas que antecediam a apresentação haviam passado muito rápido, mas as crianças não decepcionaram e deram um show. Todos estavam muito satisfeitos, dava para notar pelos aplausos dos pais e demais professores. Muitas fotos e filmagens. Fiquei emocionada com a desenvoltura dos pequenos, apesar de terem errado algumas coisinhas. Fazia parte. Quando mais nova, eu achava esse tipo de apresentação infantil uma bobagem só, não entendia como as mães conseguiam se emocionar. Mas, naquele momento, eu entendi, apesar de ainda não ser mãe. Todas ficaram radiantes, algumas até choraram, assistindo seus filhos e, com toda certeza, nenhuma delas havia notado as pequenas falhas. Que mãe notaria? Acho que isso servia para as professoras bobonas também. Eu estava muito orgulhosa.

Alguns pais, junto das crianças, vinham até mim para agradecerem e se despedirem. Depois da comemoração de Natal, a escola entraria no recesso de fim de ano. Notei que os pais de Gregory me observavam um pouco distantes, mas não puderam impedir o menino, que logo correu para me dar um abraço bem apertado. 

— Feliz Natal, professora Ruby! Até ano que vem! 

— Feliz Natal, Gregory! Boas festas. Sentirei saudades. 

O senhor e a senhora Barry abriram um sorriso amarelo e acenaram, mas não se aproximaram muito. Desviei a atenção deles, quando meu celular começou a tocar. Era Evelyn. 

— Oi, Lyn. 

— Está em casa, meu bem? — perguntou ela, do outro lado da linha. 

— Estou na escola. Hoje foi a comemoração de Natal e despedida. 

— Caramba! O Natal é já é semana que vem!

— Pois é. Daqui a pouco é ano novo — completei.

— Já acabou tudo? Vai demorar?

— Não, vou pegar minhas coisas e ir para casa. Quer almoçar? 

— Quero! No Sweet Coffee, às duas? 

— Combinado!

Levei mais uns dez minutos para me despedir dos outros professores, Gomez e os demais funcionários. Depois segui caminho até o metrô. Pensei em passar no apartamento de Ben para dar um beijo, era seu dia de folga, mas desisti quando lembrei que, provavelmente me atrasaria. A gente sempre se atrasava quando estava junto, mais por culpa dele do que minha.

Chegando perto da minha estação, percebi que me atrasaria mesmo assim. Então, resolvi ir direto para o café. Mandei mensagem para tia Carmen e desci duas paradas depois. Mais uns cinco minutos caminhando e chegaria ao meu destino. Adorava andar por aquela avenida, principalmente no verão, quando os ipês estavam bem floridos. Não era o caso desse dia. Invés de flores, tinha neve, mas ainda era lindo e agradável. Guardava boas lembranças da minha infância. Tio Paul e eu costumávamos caminhar por aquela avenida, todos os dias, durante as minhas férias. No fim da caminhada, ele me comprava sorvetes e me levava para ver as exposições de uma galeria. Eu passava horas admirando as pinturas de paisagens, em especial as florais. Tinha levado Josh até lá algumas vezes também. Eram nossos programas mais tranquilos. Embora ele não apreciasse a pintura tanto quanto eu, adorava passear pela avenida. Será que alguém era capaz de não amar aquele lugar?

Andei mais rápido para chegar logo à frente da galeria. Eu sempre parava um pouco, mesmo estando atrasada, dava uma olhadinha por fora. Eles costumavam exibir anúncios próximos à porta de entrada. Recitais de piano, datas de exposições, peças teatrais, óperas, exibições de filmes no cinema antigo, coisas do tipo, mas notícias e fofocas de famosos eram novidade para mim... Apressei-me em pegar um panfleto que anunciava um dos "Noivados do Ano". O que me despertou a curiosidade foi ver o rosto da pintora, amiga de Evelyn, no panfleto. Ao lado dela o homem que eu jamais confundiria na vida. "Um Dos Noivados Badalados do Ano! A pintora contemporânea Melanie Davis está com a data de casamento marcada para o início de Março, com Josh Lowe".

Então ela existia de verdade. E eu já a conhecia. Coloquei o panfleto na bolsa e segui caminhando em direção ao café. Eu poderia fazer o maior esforço da minha vida, mas não conseguiria explicar com clareza o que sentia. Muita informação para processar... Eu estava prestes a acreditar que ela não existia. Estive tão perto dela. Vi sua aliança no dia da festa do Sweet Coffee. Não tinha como imaginar que era dele. Como ele tinha descoberto sobre Ben? Através do meu Instagram ou do dela? Por que não tinha me falado sobre ela antes? Eu não deveria saber? 

Por que eu não deveria saber?

Quando entrei no café, avistei Evelyn, sentada à mesa de sempre. Acenou e fui até ela. Não foi preciso eu chegar muito perto para ela perceber que tinha algo estranho. 

— Que foi? Viu algum Monstro SA na rua? — perguntou, quando me sentei. 

Quem me dera...

Continuei calada, olhando fixamente para a mesa, com o pensamento longe. Eu pensava que tinha melhorado, que aquilo estava perto de passar, que não faltava muito para acabar de vez. Ben tinha chegado e estava cuidando de mim. Mas o Josh também estava lá. Nem de longe cuidando de mim como Ben, mas estava lá, me tirando a paz. Não ia embora, e eu também não o deixava ir. Ele já tinha partido havia mais de um ano. Foi embora da cidade, mas não da minha vida. 

"Você precisa tirar o Josh da sua vida. Esquecê-lo. Deixá-lo ir. E se, mesmo assim, ele não for, deve mandá-lo ir", a terapeuta deveria estar cansada de me dizer. E eu estava mais que cansada de ouvir. Ela tinha razão, mas eu não queria que tivesse. Queria que estivesse errada. Queria que aquele alguém do meu quarto estivesse certo. 

— Ruby? — Continuei imóvel. — Não sei ao certo o que aconteceu, mas posso imaginar. 

Ela abriu a bolsa, tirou um panfleto de dentro e o colocou sobre a mesa. O mesmo panfleto. Abri a minha bolsa e atirei o meu com toda força em cima do outro. 

— Eu já sei — falei. 

— Amiga, eu sinto muito... — Ela parecia não saber o que dizer. — Tento imaginar o que está sentindo agora...

— Mas nunca vai saber — interrompi. 

— Sim, nunca saberei. Mas, tenta ver pelo lado bom, você está bem melhor que antes, não está? Já superou muita coisa. Essa será mais uma barra difícil de superar, mas você já está bem melhor. 

— Eu não sei mais. Acho que agora é o fim de tudo. 

— Ele não te merece. Você precisa lembrar disso o tempo inteiro. Nunca mereceu, nunca vai merecer... 

— Mas ele me ama! 

— Quem disse? 

— Não sei... Alguém me disse.

— Quem, Ruby? — insistiu ela. 

— Eu não sei! Que droga, Evelyn! Por que não me contou antes? Era a sua amiga pintora, esse tempo todo! 

— Eu também não sabia! Ela apenas me disse que está noiva de um advogado. Quantos advogados deve ter em Nova Iorque? 

Toquei a mão dela e assenti. Com esse gesto, tentei pedir desculpas e dizer que entendia. Nunca doeu tanto prender o choro. As coisas já não eram como antes, quando eu não ligava para o que as pessoas iam dizer, caso me vissem chorando. Dessa vez era diferente. Todos os funcionários do café me conheciam. Eu chamaria muito mais atenção que o normal, sendo a namorada do Ben aos prantos no meio do salão.

— Eles vão casar aqui, na Filadélfia... — comentei, enquanto olhava o panfleto. — Por quê? Quem escolhe casar na Filadélfia, uma vez que pode casar em Nova Iorque?

— Os pais dela moram aqui... Deve ser por isso. 

Marie veio até nós, toda sorridente. 

— Deixa eu adivinhar, Ben está com a cara nos livros?

— Deve estar — respondi, forçando um sorriso. 

— Vão querer o de sempre? 

— Ruby, uma salada? — perguntou Lyn. Fiz que não. — O que você quer? Vou pedir o mesmo.

 Olhei para trás e apontei para a exposição de quadros de Melanie. 

— Aqueles quadros na casa do caralho, por favor.

Alguém Me DisseOnde histórias criam vida. Descubra agora