Capítulo 01

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Antes

Ia cair um temporal. E eu, péssima em fazer contas, tentava calcular o tempo que levaria da escola, onde ministrava aulas de teatro, até o metrô, e qual a possibilidade de a chuva me alcançar, antes que eu chegasse até lá. Também não entendo nada de clima. E, realmente, nunca fui de dar ouvidos para o que as pessoas pensam, então, dava dois passos, me arrependia e voltava, toda desengonçada. Depois dava mais uns cinco passos, me arrependia e voltava, de novo.

— Esqueceu o caminho para casa?

Virei rapidamente, a fim de descobrir de quem era a voz desconhecida que parecia zombar da minha indecisão de ir embora ou não. Olhei divertida para o homem alto, de cabelos lisos castanhos e olhos da mesma cor, que me encarava com uma expressão de confusão e diversão, ao mesmo tempo.

— É que vai chover e eu não sei se vai dar tempo de chegar ao metrô sem tomar o maior banho da história — falei, enquanto analisava o céu, mais uma vez.

— E você mora longe daqui?

— Não muito, acho que uns cinco quilômetros... Não, uns três... — Comecei a contar nos dedos. — É, uns três mesmo. Mas tem um atalho, é só ir por ali...

— Tá bom! — Ele interrompeu, dando risada. — Vamos, eu te dou uma carona.

— Ah, não. Não precisa. Obrigada.

Recusei, afinal, era um estranho.

— Pelo que parece, eu vou seguir o mesmo caminho. Vamos. Não vai ser incômodo algum.

— Eu estou bem. É sério — insisti.

— Mas vai chover, e você vai tomar o "maior banho da história". E vai molhar o seu vestido, que é lindo.

Olhei para o meu vestido, lembrei bem de ter ficado indecisa por uns vinte minutos no quarto, de manhã, pensando se deveria mesmo usá-lo. Só havia usado uma vez. Mas, realmente, era lindo, e eu gostava daquele tom de verde com estampa florida; dava um toque especial quando entrava em contato com a minha pele morena.

— Então? — perguntou o desconhecido.

— Obrigada mesmo. Eu vou de metrô.

— O risco de a chuva te pegar, agora é bem maior. Para de ser teimosa e vamos.

— Mas eu não sei quem você é. E se você me sequestrar?

Ele ergueu as sobrancelhas como se estivesse surpreso e ofendido ao mesmo tempo.

— Moça, eu só quero ser gentil — explicou-se apressadamente. — Confia em mim.

Ele me olhou de um jeito cuidadoso, sabia que isso não era convincente, mas não tinha cara de quem me faria mal.

— Vamos, vai começar a chover.

Fui.

Ele caminhava na frente, até o outro lado da rua, e eu o seguia.

— Ei! Como você se chama? — perguntei.

— Meu nome é Josh — respondeu sorrindo, ao se virar.

Parou e começou a tirar as chaves do bolso. Encontrou-as de primeira e subiu em uma moto. Me olhava, enquanto tirava o capacete do suporte para colocar em sua cabeça.

— Espera aí. Você não tem um carro? — perguntei assustada.

— Você tem algo contra quem não tem um carro?

— Não, é que... É meio perigoso, não?

 Apreensiva, olhei para a rua, que estava bem movimentada. Ele mudou a expressão ao notar minha inocência.

— Fica tranquila. Eu vou devagar.

— Mas eu não tenho esse negócio de proteger a cabeça...

— Não tem problema. Eu disse que vou devagar e com cuidado.

Subi com muita dificuldade, o vestido não ajudou. Na minha cabeça se passava uma mistura de vergonha e medo, não dele, mas de andar naquele troço. Ele ligou o transporte que fez um barulho estranho e disparou a uns mil por hora. Automaticamente, agarrei nele e fechei os olhos. Eu jurava que não ia sair viva daquela situação.

— Você disse que ia devagar! — gritei para que ele pudesse me ouvir.

— Eu sei, me desculpa. Eu menti! — respondeu divertido, no mesmo tom.

Começou a chover e eu tomei um banho, do mesmo jeito. Mas, pensando bem, foi melhor que tomar um banho a pé, pegar o metrô e ainda ter que caminhar até minha casa. Meu guarda-chuva não daria conta. Assim, chegaria mais rápido, e o tal Josh tinha um cheiro muito bom.

Decidi abrir os olhos quando a nuvem pesada de chuva amenizou. Já não sentia tanto medo, era uma sensação incrível! Com o vento no rosto, me senti livre, nem queria chegar tão cedo. Uma pena que já estávamos próximos e eu tive que guiá-lo até a rua em que ficava a minha casa. Ao chegar, desci com dificuldade, pois minhas pernas estavam trêmulas. Olhei para ele e foi até engraçado a cara que fez, enquanto esperava que eu dissesse algo.

— Você disse que ia devagar! — Tornei à postura de mandona.

— Mas, sei que você gostou da aventura — disse ele, com um sorriso no canto da boca.

— É, talvez eu tenha gostado um pouco — respondi. Ele me olhou como quem duvidava. — Tá bom! Foi uma aventura incrível! — Admiti.

Ambos demos risada, até que ele parou e me olhou diferente.

-— Seu vestido continua lindo.

Corei.

— É. Que bom.

Eu não sabia o que dizer, além disso.

— Tudo bem. Eu já vou — disse ele, quebrando o silêncio.

— Tá. Eu te agradeço muito. Sério, muito obrigada. — Ele assentiu e girou as chaves para ligar a moto, novamente. Senti a necessidade de dizer mais alguma coisa. — Eu sou Ruby — falei, completamente sem jeito.

— Eu sei — respondeu.

Lancei um olhar confuso para ele e, antes que eu perguntasse como sabia meu nome, apontou para o meu peito, onde tinha um crachá improvisado que eu tinha feito para a aula de teatro.

"Profa. Ruby"

A água da chuva havia molhado, mas, ainda era visível.

— Tchau, professora Ruby.

— Tchau.

Acenei e o vi ir embora numa velocidade maior que a de antes.

Alguém Me DisseOnde histórias criam vida. Descubra agora