Capítulo 08

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Depois

Evelyn tinha aparecido de surpresa, descobri ao espiar pela minha janela, que dava para o portão de entrada, ao lado do jardim. Tia Carmen a recebeu com sorrisos, abraços e beijos, como sempre. Tentei contar quantos segundos levaria para que eu ouvisse batidas na porta, depois de uma tentativa de abri-la. Mesmo sabendo que eu costumava manter a porta trancada e que odeio invasão de privacidade, ela nunca respeitou isso.

3, 2, 1... toc-toc-toc!

Levantei impaciente. Embora sentisse saudades dela, eu não tinha mudado meus costumes e chatices. Além do mais, considerando o momento que eu estava passando. Eu tinha piorado, inclusive.

— Sei que odeia surpresas, mas se eu avisasse antes, arrumaria uma bela desculpa — disse apressada.

Sorri e revirei os olhos, dando sinal para que entrasse.

— Como você está?

— Estou bem. Eu acho — respondi.

— Vim te chamar para sair.

Olhei de relance, para que entendesse que não, eu não iria.

— Sim, você vai.

— Evelyn, eu estou horrível — choraminguei.

— Por isso eu estou aqui. Vamos planejar seu canal no YouTube, lembra?

— Eu não quero mais fazer.

— Imaginei. E, pensando bem, talvez não seja a melhor ideia agora.

Lancei outro olhar para ela. Surpreso e desconfiado, dessa vez.

— Oi? — perguntei.

— Sim. Acho que tem que cuidar de você, mas não precisa se expor assim, já que não gosta tanto.

— Obrigada, meu Deus! — exclamei, me jogando na cama.

Ela deitou junto.

— E se você começar a fazer outra coisa do tipo?

— Tipo o quê?

— Um blog!

Um blog. Hum.

— Escolhe um assunto do seu interesse e voilà!

Virei para conseguir olhar para ela.

— Não é má ideia!

Ela levantou-se ligeiramente e abriu meu guarda-roupas.

— Anda! A gente vai sair.

— Mas eu já disse que...

— Vamos ao Castelo das Tulipas! — interrompeu, me puxando pelo braço.

Cedi. Não adiantava discutir com aquela criatura.

Passamos a tarde conversando sobre possíveis conteúdos que eu poderia compartilhar no meu blog e, no meio das ideias, lembrei que havia um bom tempo que eu tinha descoberto um interesse por fotografia. Também surgiu mais outra ideia, que seria frequentar vários cafés, incluindo o que estávamos, que era o nosso favorito; um lugar maravilhoso para estar entre amigos, comer bem e, quem sabe, ler um bom livro. A ideia principal era divulgar um pouco do que a nossa cidade tinha a oferecer e indicar alguns lugares aconchegantes, incentivar a arte.

Antes

Ouvi a porta da sala de teatro bater, mas não me virei completamente. Esperei que a pessoa entrasse, já que eu a tinha deixado entreaberta. Aguardei que me chamassem como estava acostumada: "Srta. Collins, Profa. Ruby..."

— Oi, meu amor.

Meu coração acelerou, como em todas as vezes que ele me chamou assim, desde a primeira. Me lembro bem; não foi pessoalmente, foi por mensagem de texto. Eu sentia uma vontade enorme de chamá-lo assim, mas tive medo que estivesse apressando as coisas, ou que ele simplesmente não gostasse. Foi, de fato, uma surpresa quando me mandou a mensagem, me chamando de "Amr", assim mesmo, abreviado.

Virei-me depressa, sorrindo.

— Oi — respondi, enquanto me aproximava dele.

Demos um abraço demorado. Senti algo diferente. Não havia pressa nesse abraço, como nas outras vezes. Parecia o começo de tudo, nossos primeiros dias apaixonados, os dias em que ele me enchia de beijos e elogios e teimava dizendo que meu vestido verde florido era a melhor peça do meu armário. Risonha, eu respondia que também gostava muito dele, mas não podia usar a mesma roupa todos os dias, pois tinha outras peças, e as pessoas notariam. Então, ele dizia, mais uma vez, que isso não deveria ser um problema, que as outras pessoas tinham nada a ver com isso, que uma beleza daquelas jamais deveria deixar de ser vista. Depois de darmos risada, ele arrumava meu cabelo atrás da minha orelha e dizia que eu ficava linda de qualquer jeito. Perdi a conta de quantas vezes mostrei outras roupas que eu adorava, algumas eram novas até. Ele elogiava, admirava, havia algumas segundas e terceiras melhores, mas nenhuma superava o fantástico vestido verde florido. Era seu favorito.

— E aí, tá a fim de almoçar? — perguntou ele, depois me soltar do abraço.

— É que eu já almocei. Não sabia se viria. Não nos falamos direito há dias...

Ele assentiu e baixou a cabeça. Parecia envergonhado, arrependido.

— Tudo bem, então.

Ficamos calados, sem manter contato visual.

— Josh?

Ele levantou o rosto para me olhar.

— Está tudo bem mesmo?

Ele fez que sim.

— Só acho que te deixei mal...

Essa foi a minha vez de baixar a cabeça. Não fui capaz de dizer que sim nem que não. Nada. Ele se aproximou de mim, mais uma vez. Me cobriu com seus braços, mas permaneceu em silêncio.

— Me desculpa. — disse após um tempo.

Só isso? Me desculpa?

— Está tudo bem — respondi.

— Mesmo?

Não.

— Sim. Tudo bem. 

Tentei um sorriso.

— Certo. Agora eu vou almoçar — disse ele, me soltando do abraço novamente.

— Eu posso ir junto?

— Você acabou de dizer que já comeu.

— Sim, mas quero ficar com você — insisti.

Não perderia uma oportunidade sequer de ficar com ele. Apesar de ainda estar um pouco desapontada, eu preferia deixar tudo como estava. E, naquele momento, estava tudo bem.

Assim continuou por alguns dias. Eu sempre ficava preocupada, tentando me preparar para a próxima vez que ele sumisse, que se comportasse de maneira estranha, que não me esperasse para irmos para casa, não atendesse meus telefonemas, não respondesse minhas mensagens e simplesmente fingisse que eu não existia. Na verdade, eu sabia que ele lembrava de mim, era impossível não lembrar, até porque eu estava no seu pé o tempo todo. Estava começando a ficar cansada daquilo, senti necessidade de ter uma conversa muito séria e pedir para que ele tomasse uma atitude. Eu também queria ter essa coragem, mas não tive. Relevei e decidi continuar.

Alguém Me DisseOnde histórias criam vida. Descubra agora