Capítulo 29

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Por mais que eu tivesse me esforçado para entender e aceitar tudo, não conseguia me conformar. Josh nunca quis aquilo. Seus últimos relacionamentos tinham sido um fracasso, ele nunca falava em casamento. De repente, ele estava noivo de um pintora famosa. Ele nem gostava de pintura! Nunca deu o devido valor à arte. Não gostava de ir ao teatro nem à  concertos, e aceitava ir à galeria comigo depois de muita insistência... Por que casaria com uma mulher tão culta, cujo gosto era tão diferente?

Essa pergunta também servia para mim. Ele não tinha nada a ver comigo. Tão diferente de Ben... 

Com a escola em recesso, eu passava boa parte do tempo ociosa, como nos dias em que estive de licença. Um perigo para a minha mente confusa, revoltada, inconformada e obcecada. O telefone tocou e imaginei que seria Ben; ansioso, pois conheceria meus pais à noite; era véspera de Natal. Ele sairia mais cedo do café e a ceia seria na minha casa. Os pais de Evelyn iam viajar para São Francisco e fariam sua ceia com os parentes; óbvio que Lyn, reprovando a ideia, se juntaria a nós. E Charles também.

Tia Carmen que prepararia todo o jantar, e eu seria sua ajudante, assim como todo ano. Ela havia preparado o cardápio com duas semanas de antecedência, ansiosa que só vendo. Ficava assim todo Natal, sua época favorita do ano, apesar de não ter mais a presença do tio Paul. "Ter a casa cheia me traz alegria. Ele gostava de receber visitas, ainda mais que eu", dizia ela. Viajei no tempo, lembrando da minha infância e da alegria que eu sentia quando meu pai me acordava, dizendo que estava na hora de viajarmos. Era tradição passarmos os natais juntos. Eu nem esperava a hora certa para abrir os presentes de tio Paul. A gente fazia a festa, e por nossa causa, o jantar sempre era servido antes da meia noite. 

— Oi, meu bem — atendi. 

— Princesa! Dei uma pausa no trabalho e resolvi te ligar. Tudo certo para hoje à noite? 

— Tudo certo! Meus pais devem chegar em algumas horas. 

— Estou ansioso! Quero que a noite chegue logo. 

— Quando menos esperar, estará provando o peru delicioso da tia Carmen — falei cantarolando. 

— Mal posso esperar! Tenho que voltar agora. Beijos!

Na noite anterior, tinha ido ao mercado para comprar os ingredientes da ceia. Sempre adorei ir ao mercado no Natal, pois é nesse tempo que acontecem as degustações de panetones e bebidas. Uma certa marca de vinho me chamou a atenção. Não dei tanta importância para o gosto, foi o nome que me fez voltar um pouco no tempo: Vinícola Saint Vicent. Seria a mesma vinícola, cuja família do Josh era proprietária? Peguei um panfleto na saída e procurei pelo endereço, ficava na cidade de Delaware. Não teria como ser outra. 

Olhei para o panfleto em cima da mesinha de cabeceira, fazia muito tempo que não me sentia tão tentada a fazer algo. Peguei-o e li a programação mais uma vez. Aconteceria um tour pela vinícola naquela manhã, às 11:00h. Olhei as horas no celular: 08:30h. Por impulso, disquei o número que tinha para contato. 

— Saint Vicent, bom dia! — disse uma moça do outro lado da linha. 

— Bom dia! Eu gostaria de saber se ainda há vagas para o último tour hoje de manhã, e se é possível fazer uma reserva assim, em cima da hora...

— Deixe-me verificar... — Enquanto aguardava, não parava de me perguntar que loucura estava fazendo. — Senhora, ainda na linha? 

— Sim, estou!

— Temos algumas vagas. Quantas pessoas seriam? 

— Uma reserva individual. 

Me arrumei em dez minutos, tendo em vista que levaria mais uns dez até o metrô, que sairia às 09:00h e levaria aproximadamente uma hora para chegar em Delaware. Se tivesse sorte, conseguiria convencer tia Carmen de que não demoraria. Ela estava no banheiro, e a conversa foi rápida. Ela não pareceu acreditar que eu ia visitar uma amiga solitária. Eu não tinha amigas, além de Evelyn.

Chegando à vinícola, senti meu corpo tremer. Pensei em dar a volta e desistir daquela loucura. O que eu estava fazendo ali? Não sabia responder... Não tinha ideia do que estava procurando. No fundo, eu sentia a necessidade de saber mais sobre ele; não que isso fosse mudar alguma coisa, mas eu precisava conhecê-los... Talvez fosse a ilusão de ter um pouco dele por perto, já que não era possível encontrá-lo.

Eu, uma grande admiradora de vinhos, evitei beber muito, pois teria que tentar descobrir algo, e voltar para casa sem dores de cabeça e enjoos. Josh nunca tinha deixado claro quem, de fato, era o dono do lugar, mas eu deduzia que fossem seus pais, irmãos... tios, talvez. Encarei o guia, busquei alguma semelhança física, mas nada parecia com o Josh.

A vinícola era lindíssima e muito aconchegante. Havia uma infinidade de vinhos, alguns que eu nunca tinha visto na vida. Eu conhecia o vinho branco, o tinto, o rosê, o bordô... O seco — que eu sempre odiei —, mas não sabia que existia tanta variedade entre eles. 

Depois de trinta minutos de tour, percebi que minha tentativa de descobrir algo fracassaria. Eu não poderia perguntar algo sobre o Josh tão repentinamente. O guia nos explicou que não seria possível nos levar para ver os vinhedos, pois a colheita só acontece em tempo seco, além de que a neve dificultaria nossa caminhada até lá. Foi anunciado um intervalo, e logo em seguida, seguiríamos para a próxima e última adega. As demais pessoas se espalharam pelo local, alguns iam ao banheiro, outros para uma pequena padaria que ficava dentro da vinícola. Eu comecei a andar sem rumo, em busca de alguma pista. Entrei num corredor, que possivelmente era a área de administração. Tomei um susto quando uma mulher saiu de uma das portas. 

— Ah, senhorita! Essa área é restrita para funcionários — disse ela gentilmente. 

Olhei para seu crachá: Beatrice.

— Eu imaginei. Peço desculpas... É que eu gostaria de falar com um dos proprietários daqui.

— Algum problema?

— Não! Eu apenas fiquei interessada nos serviços de hospedagem — menti.

— Sim! Você pode tratar disso lá na recepção. Venha! — Ela saiu caminhando em passos largos, sem me dar opções.

Eu a segui. Entramos num corredor comprido que, provavelmente, daria na recepção. 

— Imagino que esse seja o maior legado da família Lowe, não é? — tentei puxar assunto.

Ela virou para mim, seu olhar estava confuso.

— Família Lowe, você disse?

— Sim! São os proprietários, não? — questionei mais confusa que ela. 

— Deve haver algum engano... Os proprietários são da família Vicent — disse ela, apontando para um brasão que estava exposto na parede do corredor. — Por isso o nome Saint Vicent. 

Eu não estava entendendo. Lembrava perfeitamente do dia em que Josh tinha me dito que havia trabalhado em uma vinícola com seus parentes, que tinha esse nome e ficava em Delaware. Não existia outra. Eu tinha pesquisado antes. 

— Olha, Beatrice... Sei que isso é muito estranho, mas preciso saber de uma pessoa que trabalhou aqui...

— Nós não podemos ceder esse tipo de informação — interrompeu.

— Tudo bem. Será que eu podia falar com alguém da família Vicent?

— Pois não. — Ela sorriu discretamente. — O meu pai é o dono. 

Sorri um tanto envergonhada. Ela, com certeza, estava pensando que eu era louca. 

— Me desculpe. Eu não sabia — comecei.

— Você não veio aqui para fazer só um tour, não é? — Fiz que não, mas hesitei dizer o motivo. — O que você quer saber? 

— Você conhece Josh Lowe? 

A expressão dela ficou séria outra vez. Ela também hesitou por um instante. 

— É meu ex-marido. 












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