Capítulo 35

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Meu coração bobo de maria mole se apertava cada passo que eu dava ao me afastar de tia Carmen. Ela permaneceu no carro, disse que não queria me ver entrar naquele corredor de embarque, para não ter a sensação de que eu iria embora para sempre, como nos filmes. Intensa demais. Assegurei que voltaria, e a prova disso era a minha mala pequena com menos de dez mudas de roupa. Não sabia ao certo quanto tempo ficaria, mas não seria para sempre.

Torci para viajar com espaço e privacidade. Preferia que a poltrona ao lado estivesse vazia, evitando uma vergonha a mais. As caretas que eu fazia, enquanto dormia, eram horrorosas. Além do mais, eu sempre tive medo de viajar de avião. Me sentia muito desconfortável, principalmente na hora de decolar e aterrissar. Geralmente, as pessoas que sentam ao meu lado, riem de mim, dizem que é uma bobagem.

Como se isso ajudasse...

Respirei fundo e me acomodei na poltrona. Fiquei encarando o chão, enquanto viajava em meus pensamentos. Eu tinha adquirido uma mania de ficar segurando o pingente do colar que Ben tinha me dado no nosso segundo encontro. O primeiro presente que recebi dele, e o mais especial. Era uma correntinha de prata, com pingente em formato de rosa. Ben me disse que as rosas são suas flores favoritas, e que eu era uma delas.

Fui lembrando dos nossos momentos juntos. De como era bom ficar com ele, fazendo coisas bobas, como ver TV, maratonar séries, fazer receitas que víamos na internet... Eu ainda tinha uma pasta cheia de posts salvos no Instagram, com as receitas que pretendia fazer para ele. Uma pena que não tinha dado tempo de fazer nem a metade delas. No fim das contas, a gente decidia fazer macarrão. Nenhum de nós dois sabia lidar muito bem com opções. Indecisão deveria ser nosso sobrenome.

Cada minuto com ele era uma preciosidade de paz e calmaria. Não existia pressa. Lembrei das vezes em que ficava tarde para eu voltar pra casa, e a gente decidia que era melhor dormirmos juntos. Uma desculpa super esfarrapada, pois, dormir agarrados, era uma das coisas que mais amávamos fazer. A gente esquecia a luz da sala acesa e só nos dávamos conta depois de uns cinco minutos. Eu sempre me oferecia para ir no lugar dele, mas não havia acordo, e ele sempre levantava antes mesmo de eu cogitar me mexer. Acostumada com isso, quando eu percebia primeiro, nem dizia nada, já levantava e corria para apagar a luz. Mas, ele sempre me alcançava e me levava nos braços de volta pra cama. E assim era o nosso amor: leve e tranquilo. O amor que eu deixei escapar.

...

A viagem pareceu ter demorado mais que as outras vezes, justamente no dia em que estava mais ansiosa para chegar. Não pelo fato de ir à Carolina, mas, por ter a oportunidade de passar um tempo com meus pais. Uma coisa que nunca fui de falar muito era sobre minha mudança. Eu preferia dizer que tinha sido uma decisão aleatória, por eu não gostar muito da cidade e amar a Filadélfia. Também usava como desculpa o fato de a tia Carmen viver sozinha e muito solitária, depois da morte do tio Paul. Mas, na real, eu já tinha passado a minha adolescência inteira chateada com os meus pais, por causa das brigas constantes que aconteciam em casa, entre eles. Papai trabalhava muito, podia-se dizer que era viciado em trabalho; chegava muito tarde em casa, quase todos os dias, mal tinha tempo para ficar conosco. Mamãe sofria com isso e reclamava o tempo inteiro, o que ocasionava as discussões frequentes. A verdade é que eu era muito apegada aos dois e o que mais temia na vida era o divórcio deles. Não saberia lidar com a ausência de nenhum dos dois. Inconscientemente, decidi ir eu mesma embora. Era uma forma de me proteger. Eu e o meu costume de sofrer por antecipação. Contudo, no fim das contas, não me arrependo. Parece que a minha saída de casa fez com que eles refletissem, principalmente papai. Eu tinha muito medo que, de fato, eles decidissem se separar, pois ficariam sozinhos, e nenhum dos dois lida muito bem com a solidão, sobretudo, minha mãe.

Quando os avistei de longe, senti um frio na barriga, e não esperei chegar mais perto para abrir um sorriso. James também estava junto. Não tinha certeza se eles podiam ver, mas não me contive. Vê-los abraçados, aguardando a minha chegada, me fazia sentir vontade de correr para chegar mais rápido, e não perder nem um segundo perto deles.

— Olhem só! Um milagre aconteceu! — disse papai, com tom brincalhão, vindo ao meu encontro.

Nos abraçamos. Mamãe se juntou ao abraço. E James depois. Sempre foi nosso costume mais lindo; um abraço em conjunto. Uma família imperfeita, como todas as outras, com muitos erros, mas com muito amor para compensar. 

— Ainda não estou acreditando que você veio! — disse mamãe, quando nos soltamos do abraço.

— Eu que não estou acreditando que o James está aqui. — Ele fez uma careta e cutucou meu braço, como sempre fez durante a infância. — Como vai a Nicole?

— Está bem. Acredita que ela quer engravidar?

— Eu já disse que isso é incrível? — perguntou mamãe. 

— Vocês já têm cinco anos de casados. Não acha que já passou da hora de nos presentear com um bebê? — perguntei.

— Você já tem quase 27 anos, por que não tenta? 

— Eu não sou a casada da história! 

Mamãe e papai começaram a rir. Naquele momento, entendi o porquê de as pessoas falarem que nossa implicância de irmãos acabaria quando crescêssemos. Na verdade, não tinha acabado, a diferença é que era uma implicância brincalhona e saudável. Éramos adultos, e nossos pais estavam ficando velhos. Pareciam realizados. Acredito que, o fato de terem ficado sozinhos, depois da nossa saída de casa, deve ter ajudado para que a união dos dois se reestabelecesse.

— Adivinhem para onde vamos! — disse papai. 

James e eu nos olhamos de um jeito divertido, e não demorou muito para cair a ficha. 

— Vamos ao fliperama da rua Quatro de Julho! — respondemos ao mesmo tempo. 

Mamãe disparou a dar risadas e seguimos caminho. O fliperama ficava na lanchonete do senhor Bigode. Lá não tinha um nome, então chamávamos assim. As pessoas conheciam só por fliperama. Me admirava que aquele lugar, cheio de nostalgia, ainda estava funcionando. Papai nos levava lá, quase todos os fins de semana, e durante a semana também, quando nos comportávamos. Passamos a nossa infância inteira por lá. Eles faziam o melhor milkshake de Carolina. Era pura felicidade! Eu mal podia esperar para vencer todos eles no joguinho de corrida.

Alguém Me DisseOnde histórias criam vida. Descubra agora