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Lili coloca mais as mãos nos bolsos do velho casaco de Michal, na tentativa de aquecer os dedos frios. Agasalhada no cachecol, avança contra o chuvisco gélido de inverno, na direção do prédio em Chelsea Embankment. Hoje é quarta feira, o seu segundo dia aqui sem Krystyna, e ela está a voltar ao grande apartamento que tem um piano.

Apesar do clima, está satisfeita por ter sobrevivido à viagem apinhada e apertada no trem sem a ansiedade do costume. Começa a compreender que Londres é assim.

Há muita gente, demasiado barulho e demasiado transito. Mas o pior de tudo, é que ninguém fala com ninguém, exceto para dizer "Desculpe" se a empurrarem, ou "Ande mais para a frente, por favor.". Toda a gente se esconde atrás de jornais gratuitos, ouve musica com fones ou fita o celular ou livros eletrônicos, evitando qualquer contacto visual.

Nessa manhã, Lili teve a sorte de encontrar um lugar para sentar, mas a mulher que ia ao seu lado passou grande parte da viagem a gritar com o celular, sobre o encontro mal sucedido da noite anterior. Lili ignorou e leu o seu jornal gratuito para melhorar o seu inglês, mas desejou poder ouvir música de fones e não os queixumes daquela mulher.

Depois de o jornal chegar ao fim, fechou os olhos e sonhou acordada com montanhas pontilhadas de neve e pastagens onde o tomilho perfumava o ar e se ouvia o zumbido das abelhas. Tem saudades de casa. Tem saudades da Paz e do sossego. Tem saudades da mãe e tem saudades do seu piano.

Os seus dedos se dobram dentro dos bolsos enquanto se lembra da peça que tocava para aquecer, escutando claramente as notas na sua cabeça e as vendo com cores garridas. Quanto tempo se passou desde que tocará pela última vez? O seu entusiasmo aumenta ao pensar no piano que a esperança no apartamento.

Avança pela entrada do velho edifício, rumo ao elevador, praticamente sem conseguir conter o entusiasmo, e depois sobe ate ao apartamento no ultimo andar, por algumas horas, às segundas, quartas e sextas, este maravilhoso lugar, com os seus grandes quartos arejados, pisos de madeira escura e o pequeno piano, é todo seu.

Destranca a porta preparada para desligar o alarme, mas para sua surpresa, não há qualquer som de aviso. Talvez o sistema esteja avariado, ou não tenha sido programado. Ou... Não. Pensa, horrorizada, que o proprietário esteja em casa.

Se esforçando para detetar qualquer sinais de vida, se mantém no vestíbulo amplo, onde estão penduradas as paisagens fotográficas a preto e branco. Nada ouve.

Mirë.

Não. "Bom". Inglês, pense em inglês. Quem quer que ali viva deve ter ido trabalhar, se esquecendo de programar o alarme. Ela nunca conheceu o homem, mas sabe que tem um bom emprego, porque o apartamento é enorme.

De que forma poderia suportar as despesas? Lili suspira. Ele até pode ser rico, mas é completamente desarrumado. Ela já foi ali três vezes, duas delas com Krystyna e, de todas as vezes, o apartamento esta imundo e requer horas de limpeza e arrumação.

O dia cinzento entra pela janela do fundo do corredor, pelo que Lili acende a luz e o lustre de cristal acima de si ganha vida, iluminando o corredor. Ela tira o cachecol de lã e o casaco e pendura no armário ao lado da porta de entrada.

Do seu saco de plástico, tira os velhos tênis que Magda lhe deu e, depois de tirar as botas e as meias molhadas, coloca os tênis, grata por estarem secos, para que os seus pés gelados possam aquecer. A camisola de malha fina e a t-shirt que tem vestida de nada servem contra o frio.

Esfrega vigorosamente os braços para lhes devolver alguma vida enquanto avança pela cozinha, em direção da lavandaria. Aí, deixa o saco em cima da bancada. Tira de lá a bata de nylon que lhe assenta mal, cedida por Krystyna, a veste antes de passar o lenço azul em volta da cabeça para controlar o cabelo entrançado.

Mister | SprousehartOnde histórias criam vida. Descubra agora