Definitivamente, o motivo de Gilbert ter retornado a Avonlea não era dos melhores, mas ver Anne entrando na cozinha com aqueles cabelos bagunçados e um olhar de desespero o fez esquecer momentaneamente o real propósito de estar ali.
A notícia se espalhou rapidamente. Os moradores de Avonlea ficaram animadíssimos com o retorno do rapaz, que era muito querido por todos. Entretanto, Bash, apesar de sua alegria em ter o irmão postiço de volta, ficou um tanto chateado por saber, junto com todos os outros, que ele já havia chegado.
Rachel Lynde foi a primeira curiosa a bater na porta de Marilla. Chegou exatamente no momento em que Gilbert disse, com bastante clareza, que em breve pediria Anne em casamento. Ela não falaria abertamente para ninguém que ouviu tal notícia; pelo contrário, ao invés de entrar no quarto onde Matthew repousava, desceu as escadas e permaneceu lá embaixo até que todos descessem.
— Ora, o que faz aqui, Rachel? — Marilla levou a mão ao coração, assustada com a presença da amiga, que chegou sem aviso.
— Vi a carruagem chegando e pensei em visitar o sr. Blythe... — ela deu um breve sorriso — há quanto tempo! Como tem passado?... — disfarçou.
Marilla, no mesmo instante, percebeu que ela estava escondendo alguma coisa.
— Muito bem, sra. Lynde, e a senhora? — Gilbert foi educado, como de costume — É bom vê-la.
— Veja, Anne, como Gilbert está forte e bonito! Parece até um jovem soldado, como os que vi marchando outro dia nas ruas de Charlottetown. Não acha que ele ficaria ainda mais bonito usando aquela farda?
Anne engoliu em seco. Gilbert certamente ficaria lindo, mas não só usando farda; qualquer roupa que ele vestisse lhe cairia bem. Afinal de contas, a beleza dele só aumentava dia após dia.
— Não... — ela o encarou e ruborizou instantaneamente, recebendo como resposta um olhar curioso e assustado do rapaz. — Quero dizer que... na verdade eu não... Deixa para lá.
Marilla, ao notar que Anne só se enrolava mais, enlaçou seu braço ao de Rachel e a conduziu para outro cômodo, com a desculpa de que havia feito bolinhos de ameixa.
As duas se retiraram, e Jerry rapidamente fez o mesmo, deixando apenas Anne e Gilbert na sala de estar.
Um breve silêncio se estendeu durante alguns segundos, até que, sincronizadamente, os dois falaram:
— Você quer...
Gilbert sorriu, e Anne retribuiu o sorriso.
— Pode falar — ele lhe deu a vez.
— Acho que você deveria ir visitar o Bash — ela desconversou. — Tenho certeza de que, a essa hora, ele já está sabendo que você está aqui, e como ele costuma ser bastante sentimental, ficará chateado se você não for vê-lo.
— Você gostaria de me acompanhar?
— Eu adoraria, mas temo que Matthew precise de mim, então prefiro ficar...
— Não se preocupe, Anne — Marilla a encarou. — Você deve ir com ele e aproveitar para ver como está linda a nossa bonequinha.
Anne mordiscou o lábio e rapidamente ajeitou o saiote.
— Certo, hum... Então podemos ir.
Gilbert lhe ofereceu o braço, mas Anne disfarçou e caminhou mais rápido que ele.
Finalmente, os dois caminhavam juntos, como nos velhos tempos, aproveitando a beleza, a tranquilidade e o ambiente sempre calmo e aconchegante de Avonlea.
— Amo cada pedacinho deste lugar — Anne encarou a trilha.
Gilbert caminhava ao lado dela, admirando com veemência a beleza e delicadeza da garota que amava. As sardas em seu rosto estavam cada dia mais evidentes e enalteciam ainda mais a beleza de Anne, que parecia aumentar a cada dia.
O coração do rapaz palpitava descompassadamente, e era impossível conter os suspiros que se apossavam dele a cada comentário extraordinário que Anne tecia.
Se pudesse, e se aquele fosse o momento certo, ajoelharia ali mesmo e a pediria em casamento sem pensar duas vezes.
— Está quieto — Anne o encarou, percebendo, por fim, que ele não tirara os olhos dela nem por um segundo. — Deveria aproveitar para matar a saudade da cidade... — sorriu, envergonhada.
— Estou aproveitando para matar a saudade que eu estava de você — Gilbert foi direto. Mas, logo que declarou com sinceridade o que de fato fazia, Anne desviou o olhar e caminhou ainda mais rápido.
Apesar das inúmeras tentativas de Anne em fingir que nada estava acontecendo, o jovem rapaz estava convencido de que, dessa vez, não deixaria a oportunidade passar. A vontade de se declarar era muito mais forte do que aguentar novamente o desconforto da distância. Se ao menos os dois conversassem adequadamente... mas nem isso faziam.
Agilmente, Gilbert caminhou atrás de Anne e segurou sua mão, fazendo-a interromper a caminhada.
Rapidamente, os pensamentos de Anne se transportaram para uma lembrança não muito antiga, quando voltavam do aniversário de Delphi. O conselho amoroso de seu pai adotivo sobre ter a oportunidade de se declarar de vez para Gilbert, sem interrupções... Será que esse era o momento certo? E se, depois de não dizer nada, Gilbert desistisse de vez de conquistá-la?
— Eu preciso que seja sincera.
Os olhos de Gilbert transmitiam intensidade e suavidade ao mesmo tempo, parecendo brilhar mais que o habitual. Ele se movimentava lentamente, como se estivesse memorizando cada detalhe do rosto de Anne. Ela não sabia descrever, mas sentia que aquele olhar estava cheio de amor e fascínio. A jovem ruiva conseguia sentir o peso do afeto e desejo do rapaz.
— Eu tenho sentimentos por você — ela revelou, ainda sem acreditar que tivera coragem de falar. — Mas eu não sei se devemos falar disso nesse momento.
— Você está apaixonada pelo Roy?
Definitivamente, não esperava que ele mencionasse Roy, mas era aceitável a preocupação dele, visto que Anne e Roy haviam estabelecido uma relação profunda de amizade. Contudo, Anne sabia que, para Roy, não era apenas isso.
— É claro que não! — Ela se desvencilhou dele e continuou a caminhar, torcendo mentalmente para que chegassem logo à casa dele.
Ao menos estavam perto o suficiente para já serem vistos, e seria um alívio se Bash os avistasse e os convencesse a andar mais rápido.
— Roy é adorável, mas não tenho sentimentos por ele... Quero dizer, não iguais aos que tenho por você.
Gilbert voltou a segui-la, enquanto processava tudo o que ela havia revelado.
— Estou satisfeito — ele respondeu. — Momentaneamente satisfeito, quero dizer. — Seu corpo estava quente de tanta alegria.
Finalmente, Anne lhe havia dado uma resposta mais específica do que o esperado. Agora, já não havia mais incertezas: Gilbert Blythe estava empenhado em conquistá-la e, no momento certo, a pediria em casamento.
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(Des)encontros - SHIRBERT
FanfictionOnde Gilbert e Anne seguem caminhos diferentes, ele vai para Toronto e Anne para a Queens, e o último episódio de Anne With an E, é o oposto, dando margem a uma digna e extraordinária continuação.