Contração

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Irina

Enquanto estou deitada de lado no sofá,
Isadora vem até mim.
-Acho melhor você tentar comer alguma coisa, só porque pegou 900 gramas não quer dizer que tem que parar de comer.
-Tem razão..
"Ela mal chegou de viagem e já tá querendo mandar".
Ao mexer, minha barriga começa a doer.
"Vocês estão agitadas hoje.."
-Você comeu o que hoje? ( Isadora me interrompe ).
Suspiro entediada.
Escuto barulho de torneira pingando, chaleira, pássaro piando e Isadora tagarelando ao mesmo tempo.
-Eu fiz bolo de chocolate e café, você quer?
O cheiro daquele bolo me embrulha o estômago.
Fecho os olhos e decido me concentrar apenas na minha respiração deixando o resto de lado.
Minha perna treme involuntariamente assim que a chaleira começa a fazer mais barulho, o gotejo da torneira se torna mais rápido, o passarinho canta mais alto e Isadora prolonga seu discurso.
Minha dor vai ficando mais forte, não só da barriga mais do peito também.
Nessa mescla de sensações, meu despertador dispara fazendo com que meus olhos se abram mais rápido que um estalo de dedos.
Ponho a mão no peito e tento me acalmar.
"Que sensação horrível, será ansiedade?"
Meu celular toca e vibra, a vibração faz com que ele ande até cair no tapete felpudo cor creme.
-Merda!
Olho para trás e Isadora não está mais ali.
"Vou ter que pegar sozinha".
Olho para o aparelho caído e me estico para alcançar.
A tentativa é inútil.
-Acho que terei que levanta-r..
Assim que ponho o primeiro pé no chão, minhas pernas travam.
Meu corpo se desequilibra e vai inteiro pra frente.
Vejo que estou caindo em direção a mesinha de vidro e minha única reação é tentar virar meu corpo pra não cair de frente e o impacto ser maior.
"Droga!".
-Isador-
Escuto o vidro se espatifar como uma dúzia de copos caindo ao mesmo tempo.
Minhas costas batem com violência contra o chão.
Minha boca se abre para gritar, mais não sai som.
Os vidros estilhaçados, voam, e pedaços caem acertando meu rosto.
Por sorte eu havia fechado os olhos no automático.
Vejo Irie aparece no meu campo de visão como
um raio e Isadora também, ambos se agacham e ditam coisas a qual eu consigo escutar.
"Minha cabeça tá latejando.."
A medida em que eles vão falando percebo que tudo ficou mudo, desfocado e lento.
Meu rosto se vira para lareira de chamas altas, pisco algumas vezes fixando meus olhos no fogo, na tentativa de voltar ao meu estado normal.
Irie parece me chamar várias e várias vezes.
Eu não conseguia falar, ou ouvir mas as lágrimas diziam por mim.
Isadora discute com ele.
Irie percebe alguma coisa atrás de mim e fica horrorizado.
Ele me olha com desespero e gesticula para Isadora, que parece também estar atordoada.
"Porque não escuto nada, porque não consigo falar? Será que eu estou..morrendo?".
Sinto alguém me puxar e me carregar e assim que olho para trás, vejo um rastro de sangue enorme.
Aquilo me deixa assustada.
Me descem desesperadamente pelas escadas, mal pisco algumas vezes já estou no quarto branco que fizeram pra me atender.
"Eu estive aqui no começo".
Me colocam na cama apressadamente.
Irie derruba as caixas medicamento.
Isadora pula para o outro lado para mexer na minha cabeça.
Sinto um líquido escorrer pelo meu pescoço.
"O que..aquele sangue era meu? Impossível".
Meus olhos cansados tentam se manter acordados. Entram mais pessoas na sala, a correria é muito grande.
Vejo Isadora quebrar uma linha de costura no dente e em seguida enrolando uma faixa na minha cabeça.
Irie coloca a cabeça na minha barriga e fala alguma coisa pros outros.
Meu coração não está mais tão acelerado, parece estar ficando fraco.
Eu não sinto mais dor, a dor sumiu..
"Será que elas estão bem?".
O ambiente vai escurecendo.
-Mãe!
"Irie está me chamando de novo"
Ele começa a sacudir meu corpo.
"Para Irie me deixa descansar.."
Sinto as lágrimas de Isadora do outro lado caírem em meu rosto.
"Eu só quero dormir.."
Eles parecem gritar muito.
"Porque parecem tão desesperados? Eu não sinto dor, não sinto nada.. é reconfortante".
Eles continuam..
"Porque vocês não me deixam...em paz".
Como a luz de um quarto, um apagão de uma casa...O ambiente se torna frio e silencioso.
Eu ainda escuto meu coração mas as batidas vão ficando distantes.
"O que é isso?"
Sinto um perfume suave e um gosto estranho na boca.
"Essa sensação..eu já senti ela antes.."
Meu coração pulsa mais forte, é como se três corações batessem ao mesmo tempo.
"Não. São quatro".
-Continue com seu coração batendo! ( uma voz masculina ecoa em meus pensamentos ).
Abro os olhos e me deparado com um homem loiro me beijando.
"Esse perfume.."
Ele se afasta e quando está prestes a repetir o movimento, ele para com uma expressão de susto.
-Eiri?
-Consegue me ouvir?
Aceno que sim com a cabeça
-MÃE!
-IRINA!
"Agora consigo ouvir a voz dos dois".
-Vamos tirar você daqui! ( Eiri diz num tom sério ).
-Mais e a ambulância?
-Eu cheguei antes da ambulância Isadora! Acha mesmo que eles vão vir? ( a voz de Eiri soa como uma bronca ).
-Pai!
Eiri joga as chaves na mão de Irie.
-Toma, você dirige!
Os dois ficam paralisados.
-Vamos se mexam!
Eiri joga um cobertor em cima de mim e me coloca no carro.
-A gente precisa fazer aqui! ( Irie diz desesperado ).
-Aqui não! Não é um hospital! ( Isadora rebate ).
-Aqui é seguro sua anta! E não dá pra gente sair com ela, não dá TEMPO!
-Ela tá MORRENDO! ( Isadora levanta a voz ).
-O que-e? ( minha voz sai falha ).
As vozes se atropelam e Eiri manda eles calarem a boca.
-Você dirige, Irie! E Isadora, você fica com ela!
-Tá!
Isadora abre a porta de trás e me põe apoiada no colo dela.
Eiri aparece na janela.
-Qualquer coisa vocês chamam!
Ambos concordam e o carro parte disparado.
-Não dorme, por favor não dorme! ( a voz de Isadora é de completo desespero ).
"Porque eu tô com tanto sono?"
Fecho os olhos e sinto um tapa no meu rosto.
-Não dorme! Irina não dorme!
Ouço buzinas e o carro acelera ainda mais.
-Eu-u não tô sentindo o meu corpo...
Isadora olha pra frente enxugando algumas lágrimas de seu rosto.
Irie atravessa em sinais vermelhos e a chuva cai em peso.
-Porque tá tudo tão... embaçado, alguém limpa-a o vidro?
Isadora continua a chorar.
-Não é o vidro... ( ela diz choramingando ).
A chuva bate com força no vidro e o carro começa a balançar ainda mais.
Vejo as luzes dos postes passarem rapidamente.
-Tá anoitecendo...por-r que-e estamos correndo-o?
Isadora começa a conversar comigo mais eu não a escuto.
Sinto as lágrimas dela caírem no meu rosto.
-Parece-e chuva-a..
Ela coloca sua cabeça na minha, em prantos.
-Porque-e ela tá chorando-o?
Algo começa a se remexer dentro de mim, impacientemente.
Minha barriga se contorce sozinha.
"Elas.. elas estão aqui ainda, elas estão tentado sair..".
Começo a sentir algumas dores leves, que vão ficando mais intensas.
-Eu tô sentindo... dor, dor-r.
-Irie eu acho que vai nascer! ( escuto o grito de Isadora )
Escuto como um eco, mas menos agora volto a consigo escutar.
-Dor-r...

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