Capítulo 6

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Me abaixo para recolher os livros que tinha derrubado e inutilmente fugir dos olhares na outra fileira. Ainda estava muito confusa para lidar com ele e sua nova amiga agora.
Eu não deveria estar aqui.
Meu nome volta a ser chamado mas ignoro, me apresso e termino de arrumar os livros de volta na prateleira. Quando me viro para ir embora, ele já estava na minha frente.

- Ellen, o que está fazendo aqui? Não deveria estar na aula?

Ele pergunta baixo. Olho para ele desacreditada. Era possível ser tão idiota?

- Bem que você queria, não é?

Não consegui esconder o veneno na minha voz. Era inevitável. Ele hesita se encolhendo mas logo recupera a postura.

- Não estou entendendo o que quer dizer.

Típico dele. Aquilo era mais uma resposta para o questionamento que me queimava por dentro. Ele estava apaixonado por ela.

- A quanto tempo você sabe?

Pergunto sem rodeios. Vejo ele franzir a testa, parecendo não entender mas noto quando sua confusão abandona seu rosto e em seu lugar uma expressão de angústia e apreensão se revela. Will desviou brevemente o olhar nervoso para a garota de cabelos curtos - que usava uma tiara na cabeça e óculos de grau no rosto, e que nos olhava intrigada - para então desviá-lo de volta para mim e sua voz soa como uma súplica.

- Podemos, por favor, conversar em outro lugar?

Bufo irritada ao revirar os olhos. Meu olhar já estava à procura da saída quando escuto a voz da garota.

- Amor, o que está acontecendo?

Ele fecha os olhos e dá um suspiro derrotado. Foi como um soco no estômago. O encaro com os olhos arregalados em choque.
Isso não podia estar acontecendo.

- Olívia, só um minuto ok?

Ele ergue uma mão em sua direção e ela assente calada. Mas o que?

- Eu preciso sair daqui.

Digo enojada. Tento passar por ele que se coloca no meu caminho mas o empurro com o ombro, ele cambaleia e então caminho com passos rápidos. Meus olhos ardiam e minha vista estava turva quando chego na porta e a empurro com as mãos trêmulas. Ando aos tropeços pelo corredor usando toda minha atenção para encontrar o caminho de volta para o estacionamento. Pego a chave do bolso e a deixo cair, minhas mãos tremiam mil vezes mais. Não conseguiria pegar a estrada desse jeito.

Olho para os lados, desnorteada e quebrada, sem saber o que fazer. Apenas desejava minha cama para poder chorar sem que ninguém visse. Presto atenção ao meu redor e todos pareciam alheios ao meu sofrimento. Ótimo, penso ironicamente. Vejo uma árvore mais à frente, suas folhas e galhos mantinham uma sombra longe do sol quente que constrastava com minha alma congelada. Sigo até ela com pressa, era mais afastado e não havia ninguém desse lado. Sento na grama e encosto minha cabeça no tronco da árvore.

Dessa vez permito as lágrimas, o choro que estava guardando. As imagens se repetiam fazendo com que o choro não cessasse.
As risada. A intimidade. A voz daquela garota. O olhar.
Aquele não tinha sido apenas um olhar - apesar de deixar claro os sentimentos dele por ela- mas aquele olhar significava a quebra da sua promessa para mim. Era o fim dos nossos planos que tanto falávamos. Era o olhar que nunca tinha estado sobre mim. O meu choro era por sentir que apenas eu estava levando a sério suas promessas. Um crescente sentimento de ter sido a única a se entregar verdadeiramente me rasgava o peito. Por muito tempo estava me anulando, sofrendo em prol de uma vida que no final não seria a minha.

Por quanto tempo deixei que o rumo da minha vida estivesse nas mãos de outra pessoa?
Sinto um aperto no meu peito ao pensar na minha vida sem Will. Ele tinha sido meu porto seguro a anos, não seria fácil sua ausência.
Doía enxergar como fui estúpida por todo esse tempo. Covarde por não ter o controle das minhas escolhas nas mãos.

Enxugo as lágrimas com força, numa tentativa de tirar qualquer resquício de lágrimas por ele.
Me sentia traída cruelmente mas, noto que, a todo momento tinha sentido meu coração se partir em pedaços pela perda do meu melhor amigo. Não do meu namorado.
Paraliso.

Eu o amava. Mas por que não penso que sentiria falta dos seus beijos? Por que apesar de tudo, lá no fundo, cheguei a pensar que eles pareciam combinar juntos? Minha cabeça rodava. Estava magoada e confusa. Mas acima de tudo, estava com raiva. Muita raiva.
De mim mesma. A medida que as coisas ficavam mais claras, o ódio vinha se acomodando no meu coração e se instalando nele. Tinha me deixado enganar com sonhos de um amor. Uma romântica idiota e fraca que agora estava sozinha. Deixando o desejo de viver uma história de amor lhe custar seu melhor amigo.

Não noto o tempo passar mas ao olhar pro céu percebo que já estava escurecendo. Eu tinha passado o dia todo aqui? Me levanto tirando algumas folhas agarradas ao vestido. Era hora de voltar para casa. Caminho até a moto e mantinha um rosto inexpressivo. Estava me sentindo vazia por dentro, sem forças. Não tinha mais lágrimas para derramar ou vontade de fazê-lo.
Luto para não pensar que ele não tinha vindo atrás de mim quando coloco o capacete e sigo para a estrada.

                                   ▪️▪️▪️

Por muito tempo eu vinha fugindo de pressões que exigiam um certo tipo de idealismo.
Para ser considerada uma pessoa legal você precisa de uma legião de amigos. Já que ter um grande número de amigos significava ser divertida e interessante. Mas não poderia ser muito engraçada ou inteligente demais. Não, isso seria querer chamar atenção para si.
E uma pessoa legal não faz isso.
Só as vaidosas demais.

Na passarela você precisa ter medidas perfeitas para parecer magra mas ao mesmo saudável. Saber a hora de sorrir e manter a seriedade no olhar. Ser simpática com todos em tempo integral enquanto estivesse com uma câmera apontada para você ou na presença de pessoas importantes.

E em meio a isso tudo, eu tinha Will.
Quando ninguém me escolhia como dupla nos trabalhos, desde que nos conhecemos, ele era o primeiro a levantar as mãos e dizer nossos nomes para a professora. Sempre me protegia e sua presença me bastava. Não precisava de mais ninguém. Se eu quisesse uma piada, ele tinha sempre uma mais horrível que a outra para contar. Era bom em muitas coisas mas piadas não era uma delas. Ainda sim eram tão ruins que ficava impossível não acompanhar sua risada.
Mas agora eram apenas eu e meus livros.

Eu me tornei alguém que sabe esconder perfeitamente o que realmente sentia. Estar bem ou não, chega uma hora que não faz mais diferença. Desde que tivesse um sorriso no rosto, fosse uma boa companhia para quem estivesse por perto e soubesse o que dizer no momento certo. Descobri que quanto mais você se esforça em não deixar suas angústias, medos e tristezas a mostra, mais você se anula. E basta passar uma imagem de ser alguém forte que, aos poucos, as pessoas deixam de se preocupar com você esperando que se recupere sozinha.

Me tornei alguém que prefere um bom livro a conversas superficiais. Não iria mais tentar me encaixar onde eu seria apenas uma peça sem valor. E aos 18 anos me afastei da vida de modelo e desisti da faculdade de administração.

Por anos eu era assombrada com aquela pergunta inocente que nos fazem na escola ou um jantar de família. "O que você quer ser quando crescer?" me perguntavam.
Ainda sentia o peso da pergunta e o medo da resposta. Com Will eu pensava que sabia o que queria. Mas agora me via perdida sem saber a direção para seguir. Um mundo de opções e as decisões deslizavam por meus dedos, nunca me deixando agarrar alguma que me fizesse seguir convicta do que desejava.

Quando descobri que minha mãe tinha enviado minha inscrição para a tal seleção do príncipe Maxon, nós discutimos. Para mim não tinha diferença do que Will havia feito comigo todos esses anos, mesmo que eu tenha sido conivente. Ela dizia que era para o meu bem, estar em um país longe de todos e sozinha com minhas escolhas. Semanas tinham se passado desde que concordei em viajar e fingia estar animada a qualquer um que me perguntasse. A mãe de Will veio me visitar para me desejar boa viagem, a abracei forte e com um sorriso genuíno agradeci.
Não falávamos dele. Eu não permitia.
Mas enquanto subo as escadas para arrumar minhas malas eu pude ouvir ela conversando baixo sobre Will ter se mudado para morar com Olívia.

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