Capítulo 29 - Tovell

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Chego com um minuto de antecedência no Madero, mas antes de eu pensar em entrar Adrien chega num Land Rover branco, ele desce e - está bem vestido, ainda bem que trouxe alguns dos meus vestidos para sair a noite - entrega as chaves para o manobrista, vem em minha direção e sorri, sorrio de volta e entramos na fila que ainda não está tão longa então não demora muito para que entremos.
O interior está pouco iluminado, somos levados até a mesa que reservei que fica próxima ao palco onde terá apresentações mais tarde, assim que sentamos a garçonete nos entrega os cardápios que são grandes pastas de couro preto.
Não me importo muito com o que vamos comer, o que me chamou atenção nesse lugar quando procurei foi o show de tango ao vivo, ainda assim abro o cardápio e olho vagamente, a última vez que saí para um jantar a dois foi com Kian, não, não pense nele. Analiso as opções mas não lembro o nome de nenhuma quando olho por cima da pasta, Adrien automaticamente me olha e sou obrigada a desviar o olhar.
— Pode pedir para mim o mesmo que vai pedir para você, não estou muito interessada na comida de qualquer forma. — fecho o cardápio e ponho em cima da mesa, olho para o palco com ansiedade para o show que não deve demorar muito.
— Certo, ah, que tal um bom vinho rosê e salmão? — pergunta abaixando seu cardápio.
— Parece bom. — sorrio.
Ele devolve o gesto e chama a garçonete de volta, depois que ele faz o pedido ela se vai, então somos apenas nós dois sem conseguir nos encarar diretamente, por alguns minutos e é constrangedor, mas depois ele começa a puxar assunto.
— Viajando pelo mundo sozinha depois de um coração partido, certo? — pergunta.
— Isso aí. — sorrio sem jeito.
— Quais países pretende conhecer durante essa viagem? — ele está realmente engajado nisso.
— Hmmm, primeiro estou por aqui durante esses quatro dias e depois estou seguindo para o Paraguai de lá vou para o Brasil, então para Portugal, farei uma breve passagem pela Espanha, vou para a Suíça, darei uma passada na Bélgica também — ele ouve atentamente sem se desviar do meu rosto, ou ele realmente está interessado ou está sendo educado com o fato de eu estar tagarelando. —  e por último encontrarei minha melhor amiga e o namorado em Paris, eu planejava passar ao menos uma semana em cada país, mas pensando melhor vou ficar por três dias no máximo, quero adiantar as coisas sabe?
— É um ótimo roteiro se me permite dizer, quanto ao fato de querer adiantar as viagens, entendo perfeitamente o quanto deve estar ansiosa para cada passagem que fará. — ele diz e dá de ombros.
— Não me diga que é um mochileiro ou algo do tipo? — brinco.
— Gosto de viagens, como disse ontem, às vezes a rotina fica muito pesada, conheci vários países entre o ano passado e este. — outro dar de ombros, mas dessa vez acompanhado por meio sorriso.
— Isso parece bom, mas e quanto ao que você disse sobre estar explorando possibilidades? — pergunto porque realmente me deixou curiosa.
— Eu trabalho com arte, então viajar sempre me traz inspiração para novos traços e técnicas.
— Um artista? — arqueio as sobrancelhas em surpresa. — Nunca imaginaria isso, apesar de você ter toda uma vibe.
— Prejulgamento estraga possibilidades, — ele ri. — e como assim eu tenho toda uma vibe?
— Você é tão tranquilo e fala como um coach, sabe bem coisa de gente vegana e ativista?
Ele começa a gargalhar e eu sinto meu rosto ruborizar.
— Desculpa é só que isso foi a coisa mais engraçada que ouvi nas últimas semanas. — ele cobre a boca e se recompõe.
— Desculpe, às vezes as coisas só saem da minha boca. — sorrio sem graça e tiro o cabelo do rosto.
Como se para encerrar meu ato, a garçonete volta com a bandeja do nosso pedido, tomo um gole grande de vinho para ter algo para fazer antes de começar a passar vergonha outra vez.
— Pode deixar a garrafa. — ele pede.
Assim que ela sai, anunciam que o show começará em breve. E como dito é exatamente o que acontece: os casais entram no palco e se posicionam e uma música começa a tocar uma música parecida com as das telenovelas que a mãe de Laura assistia quando éramos pequenas, é envolvente e sensual. Tango é uma dança tão linda de se ver que mal lembro de comer, quando desvio o olhar é para observar a reação de Adrien que está absorto na melodia e na coreografia, volto a olhar para o palco fecho os olhos por alguns segundos e me deixo ser levada pela música quando os abro de novo ele é quem está me encarando.
—  Você parece ter uma vibe boa, Tovell. — ele sorri.
— É a primeira vez que me dizem isso. — sorrio de volta.
A noite se resume a apresentação incrível no Madero tango, conversas curtas e risadas e Adrien se oferecendo para me levar de volta ao hotel, eu aceito porque não estou disposta a esperar um táxi aparecer. Na volta ele põe uma música, não reconheço então preciso olhar para a tela, "Little Dark Age" de MGMT, é uma música boa me traz uma vibe estranha, mas ainda assim boa . Não nos falamos, então há apenas a música fluindo entre nós dois, é estranho estar com alguém que acabei de conhecer, saindo apenas como "amigos", escutando música no carro sem precisar dizer uma palavra, é estranho como nossas vidas podem virar de cabeça para baixo em tão pouco tempo.
— Chegamos. — ele diz desligando a música.
Eu nem tinha percebido o caminho do restaurante para cá.
— Certo, ah... boa noite e obrigada. — sorrio e abro a porta do carro.
— Tchau, Tovel. — ele sorri antes que eu saia.
Saio para a calçada e aceno para Adrien antes dele sair com o carro, assim que o faz me viro e vou para dentro do hotel, tiro meus sapatos antes de começar a subir as escadas. Chego ao meu quarto e deixo meus sapatos caírem para que eu possa pegar a chave na minha bolsa, quando as acho pego-os de volta e entro em meu quarto, recupero meu celular antes de deixar a bolsa no móvel ao lado da cama, sento no colchão que afunda um pouco com meu peso, confiro as notificações e praticamente posso sentir meu coração parar, é uma chamada perdida de Kian e uma nova mensagem no correio de voz.
Estou tentada a nem ouvir e mandar direto para a lixeira e simplesmente ouvir. Minha curiosidade ganha e clico na tela.
— Oi, — há uma pausa antes que ele continue — não sei porque estou fazendo isso, sei que me odeia agora, — sua voz está melancólica e arrastada. — sei que sou um babaca egoísta e um completo imbecil, mas eu tenho pensado muito em você desde aquele dia no meu escritório, agi por insegurança e medo, percebo agora que foi um erro terminar tudo que construímos durante aqueles nove meses, ainda maior por não ter sido honesto com você, não 100%, mas se você quiser, — ele respira fundo e posso perceber a tremulação — se ainda quiser me ouvir estou disposto a te contar tudo, sem mais mentiras, sem filtros. Sinto sua falta todo maldito dia, do seu cheiro, do seu sorriso e do som da sua risada, do seu cabelo espalhado no meu travesseiro toda vez que dormia aqui em casa, até mesmo das suas provocações. Tovell, você foi a melhor coisa que me aconteceu em muito tempo, me dê outra chance, se me deixar te contar tudo, te explicar meus motivos... — outra respiração trêmula — eu só peço isso. Eu te amo.
Fico dois minutos tentando raciocinar o que acabei de ouvir, e é aí que toda a onda de sentimentos que eu estava guardando e empurrando no fundo do meu peito explode com toda força, eu estava tentando não pensar sobre isso, estava tentando com todo meu orgulho, mas aí ele me manda isso, não sei o que pensar sobre tudo isso, não sei o que fazer, minha garganta começa apertar e lágrimas começam a encher meus olhos, dessa vez não vou segurar, dessa vez as deixo cair.

Mistérios de uma vida roubadaOnde histórias criam vida. Descubra agora