CAPÍTULO 30

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A porta encontrava-se parcialmente fechada, o ambiente era minimamente iluminado pela luz da lua que adentrava pela janela de vidro e pelo abajur ligado em cima do criado-mudo, os lençóis da cama tinham cheiro de jasmim e do lado de fora as árvores balançavam incessantemente por conta da ventania, provavelmente, choverá bastante essa noite.
Deitada eu encarava o teto pensando na minha mãe e no Bruno, enquanto as lágrimas escorriam de maneira involuntária pelo meu rosto.
Repentinamente, vejo a porta ser aberta, enxugo as minhas lágrimas com as costas das mãos e encaro o garotinho de olhos azuis, cabelos escuros caído sobre a testa, pele alva e jeitinho meigo que acabará de entrar no quarto. Era o Benjamin, o meu irmão caçula por parte de pai.
— Oi?
— Oi. — Respondi baixo e forcei um sorriso.
— A mamãe e o papai está chamando voxê pala jantar.
— Diz a eles que estou sem fome.
— Tá.
Retirou-se do quarto levando consigo todo aquele cheirinho agradável de colônia infantil.
Após a saída do Benjamin, sentei-me na cama e peguei o meu celular embaixo do travesseiro, no mesmo havia várias mensagens e ligações do Bruno.
Ignorei todas as mensagens e ligações, coloquei novamente o celular em baixo do travesseiro, deitei-me na cama e voltei meus pensamentos a ele e a minha mãe.
Eu estava morrendo de dor de cabeça por conta do tanto que chorei, sentia meu rosto arder no local onde eu havia levado os dois tapas, mas nada disso se compara a dor de perder a minha mãe.
Depois que tudo aconteceu, o meu pai foi me buscar para morar com ele a pedido da minha mãe, eu chorei, implorei, me humilhei para ela me perdoar e não permitir que eu viesse morar com o meu pai, mas ela sequer olhou na minha cara.
Não a julgo, pois tenho consciência total do que fiz e quanto desgosto e sofrimento estou causando a ela.
Eu estava tão entretida em meus pensamentos que nem percebi quando a porta foi novamente aberta e acabei sendo pega de surpresa ao ouvir a voz do meu pai.
— Oi. — Falou parado na porta com a mão na maçaneta.
— Oi.
— Posso entrar?
— Sim.
Ele entrou, acendeu a luz, caminhou vagarosamente até a cama onde eu estava deitada e sentou-se na beirada da mesma, eu também sentei-me, apoiei minhas costas na cabeceira e apaguei o abajur.
—  Está tudo bem? O Ben disse que você não quer descer para jantar.
— Estou sem fome.
— Você precisa se alimentar. Quer que eu mande  preparar outra coisa para você?
— Não, obrigada.
— Você está precisando de alguma coisa?
— Não.
[ Silêncio]
— Ísis, eu... é... — Era perceptível a dificuldade dele em falar o que desejava. — Queria te pedir desculpa.
— Completou encarando o chão.
— Por ?
— Por não ter sido um pai presente na sua vida, por não ter te dado amor, carinho e não ter te protegido. — Completou.
— Não se preocupe em relação a isso, pois o amor, o carinho, os cuidados e a proteção da minha mãe foram mais que suficiente. Só não posso dizer que preencheu o vazio constante que eu sentia no meu coração por falta de uma presença paterna, pois aí eu estaria mentindo.
— Eu sei que minha ausência te causou muita dor e infelizmente não posso voltar no tempo e mudar isso, mas posso tentar fazer com que daqui pra frente a nossa relação de pai e filha seja melhor, basta você me perdoar e permitir que eu tente melhorar a nossa relação.
Ouvindo isso, fiquei em silêncio por um instante enquanto na minha cabeça vinha à tona as lembranças de tudo que eu sofri por conta da ausência dele, mas também pensei que guardar mágoas de uma pessoa que estava me pedindo perdão não me faria bem, então, resolvi perdoá-lo.
— Eu te perdoo. — Falei e ele levantou a cabeça, me olhou e sorriu.
— Mas agora se não se importa, eu gostaria de ficar sozinha.
— Ok... — Levantou-se. — Se precisar de qualquer coisa é só me chamar.
Assenti com a cabeça e ele caminhou até a porta.
— Durma bem. — Disse antes de se retirar.
Eu sempre senti muito falta de um pai na minha vida, alguém que me protegesse e fosse meu herói.
Nas festinhas do dia dos pais na escola eu nunca tinha para quem escrever cartinha, fazer lembrancinha ou até mesmo quem me  acompanhasse para assistir as minhas apresentações em homenagem ao dia dos pais, sentia inveja quando minhas amigas falavam dos pais delas e nos dias das crianças e natais sempre fiquei na varanda esperando o meu pai vim me buscar para passar o dia com ele, pois nunca fiz questão de presente mas sim de um pai presente.
Quando o vô Peter estava em Los Angeles, ele fazia todas as minhas vontade, me levava para passear e teve uma vez que ele foi de surpresa na minha apresentação de dia dos pais na escola, então ele é a figura mais próxima que eu tive de um pai/avô.
Podem julgar a minha dor como frescura, mas só eu sei o quanto me doía quando ele dizia que ia me buscar para passar o dia ou o final de semana comigo, eu me arrumava, fica ansiosa esperando e ele nunca aparecia.
Não sinto raiva dele, apenas ainda preciso me recuperar das feridas.

  ***
Bruno

Depois de ter ido atrás da Helen como a Ísis havia me pedido, voltei para a casa e encontrei tudo em absoluto silêncio, subi as escadas em direção ao quarto da Ísis e ao entrar, assustei-me ao perceber que suas coisas não estavam no lugar.
Caminhei até o guarda-roupa dela e ao abri-lo quase surtei ao encontrá-lo extremamente vazio.
Rapidamente, tirei o celular do bolso e disquei o número dela, chamava, chamava e ninguém atendia, então resolvi mandar uma mensagem.
A mensagem chegou, mas ela sequer visualizou.
Eu parecia um louco andando de um lado para o outro à espera de uma resposta da Ísis e imaginando onde ela poderia estar, porém, já havia se passado vinte minutos e ainda sim ela não tinha me respondido. Então, comecei a ligar e enviar mensagem desesperadamente, mas mesmo assim ela não me atendia e nem me respondia.
— Que p*rra! — Joguei o meu celular contra a parede.
Deitei-me na cama da Ísis e passei a mão no rosto extremamente estressado e preocupado.
— Onde você está, minha menina? — Sussurrei encarando o teto de gesso branco à minha frente.

    ***

Era noite, o ambiente estava em absoluto silêncio, o vento que adentrava pela janela fazia as cortinas se movimentarem e todos os móveis daquela sala me fazia lembrar a Ísis, inclusive, a televisão a qual esse horário ela estaria ligada na série favorita dela.
Eu estava sentado no sofá com um cigarro entre os dedos, bebendo o décimo copo de whisky e com meus pensamentos presos à Ísis.
Não há nada nesse mundo que eu deseje mais do que saber onde ela está e se ela está bem.

***

Ao acordar, percebi que eu estava no sofá, havia duas garrafas de whisky vazias no chão e vários maços de cigarros.
Levantei-me morrendo de dor de cabeça, subi as escadas em direção ao meu quarto e ao entrar, fui direto para o banheiro, entrei, o tranquei, me despi e adentrei no box ajustando a água para fria, liguei o chuveiro e comecei a sentir aquela água fria em contato com minha pele, fazendo com o que o meu sono fosse definitivamente dispensado.
Finalizei o banho, sai do box, enrolei a toalha em minha cintura e fui para a frente do espelho escovar os dentes.
Ao terminar, voltei para o quarto, caminhei em direção ao guarda-roupa para escolher algo para vestir.
Optei por um moletom vermelho e uma calça camuflada. Passei desodorante, me vesti, ajeitei o cabelo, passei perfume, coloquei um boné verde escuro, o colar com o pingente da cruz e um óculos escuro para desfaçar a minha cara péssima de noite mal dormida.
Em seguida, calcei um tênis preto, peguei o meu celular, um maço de cigarro, coloquei no bolso e saí do quarto.
Desci as escadas e ao chegar na sala, sentei-me no sofá. Eu não estava com apetite para tomar café e nem ânimo para ir trabalhar, a única coisa que eu queria era a Ísis de volta.
Fiquei ali sentado pensando nela quando de repente passa pela minha cabeça que a Amelie pode ter levado a Ísis para casa dos avós ou até mesmo para a casa do pai no intuito de castigá-la.
Levantei-me rapidamente, peguei a chave do carro que estava sobre a mesa de centro, saí de casa, fui até a garagem, entrei no carro, coloquei o cinto de segurança e saí.
Segui o caminho que uma vez usei para levar a Amelie para visitar os pais e em menos de quinze minutos cheguei no local.
Estacionei o carro, desci e caminhei até uma casa azul, de portões pretos e que tinha um jardim na frente.
Toquei a campainha, bati palmas, chamei durante um bom tempo e ninguém me atendeu.
Voltei para o carro e dei partida seguindo para a casa do pai da Ísis, a qual eu sabia perfeitamente onde ficava e cerca de dez minutos depois, cheguei ao local.
Novamente, estacionei o carro, desci e caminhei até a enorme e luxuosa casa de cor branco gelo e ao
tocar a campainha, uma voz feminina saiu do interfone.
— Quem deseja?
— Bruno. Vim falar com a Ísis.
— Um instante, senhor Bruno.
Aguardei um pouco até que o portão foi aberto e um homem com os mesmos traços da Ísis apareceu.
Era o Georg, o pai dela.
— O que deseja? — Seu tom de voz saiu sério.
— Gostaria de saber se a Ísis está aqui.
— O que você quer com a minha filha?
— Isso significa que a Ísis está aí? Por favor, deixa eu falar com ela.
— Falar o que com ela?
—Algo muito importante.
— Aguarde um instante, vou avisa-la que você está aqui e vê se ela quer lhe receber.
— Ok.
Ele entrou para comunicá-la sobre a minha presença e sobre o meu desejo de falar com ela, depois de alguns minutos ele retornou.
— Ela disse que não quer lhe receber.
— Como assim? Eu preciso muito falar com ela.
— Mas ela não quer falar com você.
— Mas... — Interrompeu-me.
— Por favor, respeite o momento dela.
— Ok... — Falei arrasado. — E obrigada por de alguma forma ter tentado me ajudar.
Ele não disse mais nada, apenas entrou e eu voltei para o carro.
Eu não vou desistir da Ísis, não vou sossegar enquanto ela não estiver comigo.

Bruno Mars- Sonhos | Disponível até NOVEMBRO 2023Onde histórias criam vida. Descubra agora