Capítulo Um

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Quando eu era pequeno, minha mãe costumava me dar cinco dólares todo fim de semana. Eu devia ter uns 7 anos, então aquilo era muito dinheiro pra mim. Juntava eu e mais uns cinco pirralhos do prédio pra tomar sorvete no Sr. Max – ele era um velhinho que vendia sorvete na portaria. O Sr. Max sempre ria de mim, porque toda vez que eu comprava um sorvete à ele, eu dava minha preciosa nota de cinco com a maior tristeza, e ele me devolvia três dólares de troco.

Um certo sábado de Dezembro, mais ensolarado do que qualquer um que eu havia vivido, fui comprar sorvete com Anne, filha da nossa vizinha. Então, o Sr. Max me deu o troco e eu comecei a chorar. Nesse momento, Anne já estava com o sorvete e havia ido embora, pois sua mãe estava indo à praia, e disse que se ela não fosse rápido, teria que passar o sábado escrevendo a tabuada do 8. Agradeci por isso. Não queria que a menina que eu gostava me visse chorando.

Dei as costas para o homem, e, com os três reais na mão, fui andando lentamente até o elevador, quando ouvi o Sr. Max me chamando.

– Lucas! – Enxuguei minhas lágrimas com o punho fechado segurando o dinheiro, e corri até a barraquinha de sorvete.
– Esqueci alguma coisa? – Falei, tentando disfarçar que havia chorado.
– Reparei que você estava chorando quando saiu. Nenhuma criança sai daqui triste. O que houve? – Ele bagunçou meus cabelos, ainda loiros naquela época, e sorriu. Ri baixo quando ele terminou de falar. Adorava o seu sotaque britânico. – Enxugue esses olhos verdes, homem!

O Sr. Max era um homem gordo de 67 anos que morava sozinho no prédio. Ele era muito branco, o que me fazia imaginar que era o Papai Noel das noites de natal – quando fiz 12 anos descobri que era ele mesmo. Desde que sua mulher morreu, vendia sorvete na portaria do prédio. A síndica até havia dado uma salinha pequena pra ele guardar seus sorvetes num freezer. Sempre falava que o que fez a sua mulher ficar viva até os 60, mesmo com câncer, foram os sorvetes caseiros dele. Que, sem sombra de dúvidas, eram maravilhosos.

– Ah, Sr. Max. É que eu estava rico com cinco dólares. Agora só tenho três. Não sou mais tão rico assim. Só um pouquinho riquinho – abri minha mão e mostrei o troco. O velho deu uma risada engraçada, o que me deixou bravo. Lambi minha casquinha e o olhei com as sobrancelhas franzidas.

Ele se abaixou com dificuldade e me disse, olhando para a nota amassada e as moedas de 25 centavos:

– Lucas, você deveria saber disso, mas eu vou lhe explicar uma coisa. Às vezes, a gente têm que aceitar o troco. Mesmo você dando todo seu dinheiro, é bom ficar com o que sobra. Porque, ter menos dinheiro do que antes é melhor do que ficar liso.
– Ficar liso?
– Na minha terra, isso significa não ter dinheiro. Vá por mim. É melhor ter pouco, do que não ter nada. Então aceite o pouco, e fique feliz com o seu sorvete. Ele é a recompensa. – Sr. Max deu duas tapinhas nas minhas costas, e se ergueu. Sorri, e saí correndo com meu sorvete até o elevador, só que o sorvete caiu no chão, e eu voltei a chorar. Mas isso não vem ao caso.

Aceitar o pouco, e ficar feliz com o que eu tenho. É melhor ter pouco, do que não ter nada.

Eu acreditei nisso por muito tempo. O Sr. Max não sabia, mas aquele seu "conselho" batucou na minha cabeça até os meus 19 anos. Meu relacionamento com a Alice era a prova disso.

A garota mais complexa que eu conheci na minha vida também foi o meu grande amor. Ela me fez enxergar o mundo de uma forma diferente, e me mudou. Mudou, no geral, pra algo bom. Alice sempre me dizia que precisamos passar por coisas na vida, para no final, amadurecer. E eu posso dizer que ela fez isso por mim. Me fez enxergar o certo e o errado, o bom e o ruim. Ela me ensinou o que é o amor - totalmente diferente de como eu achava. Me fez descobrir que nem tudo termina num "felizes para sempre". E que toda eternidade tem fim.

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