Capítulo Quatorze

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Seu olhar desapontado se transformou em um atencioso. Então, um olhar de desespero tomou lugar quando analisou direito o meu rosto. Ela levou uma de suas mãos até minha bochecha e eu olhei pro lado, o que fez sua mão não conseguir tocar de primeira. Mas mesmo assim, ela tocou. Passou seu dedo polegar lentamente aonde estava roxo. Espremi os olhos por conta da dor, mas sorri de leve ao sentir seu toque. Nisso, a dor sumiu completamente.

– O que aconteceu com você, Lucas? Meu Deus... – Alice sussurrou, se aproximando mais de mim, e colocando sua outra mão no meu rosto.

Eu não queria olhar para ela. Alice estava perto demais. Estava mexida demais. Eu não aguentaria. Ou eu começaria a chorar como um otário, ou lhe beijaria. E isso seria doloroso. Não por conta do machucado na minha boca. Mas sim, porque ela não corresponderia.

Mesmo assim, ela passou seu polegar no meu lábio inferior.

Porra.

Seu toque foi tão delicado que fez meu corpo estremecer.

– Machucou? – Falou baixo, e eu sorri. Neguei com a cabeça, e ela soltou meu rosto. Meu sorriso se desmanchou, e logo voltei a sentir as dores. – Quem fez isso com você? – Ela deu as costas e entrou no quarto, prendendo os cabelos em um rabo de cavalo. Estava com uma blusa folgada branca, short jeans curto e as rasteiras pretas que ela sempre usou. O seu quarto era parecido com o meu. A diferença era que ao invés de uma cama de casal, eram duas de solteiro. Terminou com o cabelo e foi em direção a uma mala rosa e grande que estava entre as duas camas.
– Senta aí. – Ela disse, depois pigarreou. Sua voz já não soava tão preocupada como antes. Me sentei, e a observei mexer em suas coisas. Pegou uma maletinha branca, e parou em minha frente. A cama era bem alta, o que fazia ela parecer mais baixinha do que o normal. Tentei não sorrir, mas não consegui.
– Olha, aqui dentro tem coisas de primeiros-socorros. Aquilo de gaze, esparadrapo, e todas aquelas merdas que você está precisando.
– Obrigado. – Falei, rindo.
– Mas, eu só vou te dar essas coisas, se você me disser o que aconteceu com você.
– Ah, eu caí... – Menti, e ela revirou os olhos.
– Não falo só disso. Desse seu estado. O que deu em você hoje de manhã? – Ela empurrou meu ombro e eu contraí meu abdômen.
– Ai... – Murmurei.
– Ai, meu Deus, desculpa.
– Tudo bem...
– Tudo bem? – Ela voltou a falar com raiva – Tudo bem o caralho! Como você pode falar aquelas coisas de mim? Meu Deus, você tava com merda na cabeça?
– Olha... – Respirei fundo e continuei – Eu vim aqui exatamente pra te pedir desculpas. – Ela ainda estava em minha frente. Colocou a bolsinha do meu lado, e cruzou os braços.
– Eu sei que fui um idiota. Nunca na minha vida eu devia ter falado aquelas coisas de você. Hoje... no torneio, eu lembrei de tudo. Eu só lembrei das coisas conforme o tempo foi passando. E eu te juro, não consegui sequer subir na prancha. Tudo que eu senti foi, sei lá, vergonha.
– Hm...
– E uma bela de uma ressaca também.
– Então você bebeu. – Ela disse, pegando a bolsa e tirando um spray de dentro. Alice o borrifou e eu fiz careta.
– Sim... – Senti o algodão na minha sobrancelha, depois na minha bochecha.
– E posso imaginar que fumou também. – Colocou gaze nos ferimentos e prendeu com esparadrapo. Fiquei calado, e ela sorriu como se soubesse exatamente o que aconteceu. – Você tem que aprender a controlar suas vontades.

Se ela soubesse o controle que eu estava tendo sobre mim para não agarra-la ali mesmo, ela não teria falado aquilo.

– Eu estava com raiva. – Tentei dar uma desculpa.
– E daí? Eu sinto raiva o tempo todo. Senti raiva hoje de manhã. E não fui pra boates beber e fumar pra aliviar.
– Não fez isso, mas fez outra coisa... – Sussurrei, e olhei pros meus dedos. Já estavam começando a ficar roxos.
– Que coisa? – Ela sentou do meu lado, e me fitou, curiosa.
– Nada não.
– Fala.
– Deixa pra lá. – E ela deixou mesmo. Uma das características mais fortes de Alice é que na segunda vez que você diz "deixa pra lá", ela deixa mesmo. Sempre duas vezes, sempre.
– E como foi que você conseguiu esses roxos no seu rosto, Lucas? – Sua voz doce voltou. Ela colocou uma mão na minha coxa e eu suspirei.
– Ah, eu arranjei briga com um cara numa boate. – Menti.
– Nossa... você é louco. – Ela riu, e eu ri junto com ela. Poderia ouvir aquilo pelo resto dia. Ou pelo resto da minha vida.

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