Capítulo Quatro

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A água do mar cobria quase todo o meu corpo, menos o meu nariz. Mesmo assim consegui ouvir a voz de Júlia gritando meu nome. Lembro de quando era criança, quando minha mãe me chamava para voltar pra casa e eu fingia que não escutava. Fiz o mesmo. Continuei ali, tranquilo, flutuando na água. Depois de alguns segundos, percebi o mar se agitar. De primeiro achei que fosse alguma onda vindo, mas depois percebi que o sol havia se escondido. Abri meus olhos e encontrei o rosto de Júlia, olhando pra mim.

– Você tem algum problema? – Falei, logo depois de me levantar e ficar de pé em sua frente. A água batia em nossas cinturas.
– Eu que te pergunto, seu otário – ela disse, empurrando meu ombro.
– Mas eu não fiz nada – ri e joguei água em seu rosto. Cobri meus olhos com meu braço e esperei ela revidar, mas a água não veio. A olhei, e vi uma Julia preocupada, de braços cruzados.
– Eu achei que você tinha se matado – abaixou a cabeça e falou num tão baixo que tive dificuldade para assimilar a frase.
– Ei, para com isso – segurei em seu queixo e levantei o seu rosto, os seus olhos estavam marejados. Tentei sorrir. - Eu não vou fazer isso, ok? Eu sei que está difícil, mas eu vou sair dessa.

Julia deixou seu corpo apoiado no meu, e eu a abracei. Passamos um bom tempo daquele jeito. Um silêncio perturbador era tudo que acontecia naquele momento. Enquanto estava ali com ela, pensei no que estava fazendo da minha vida. Eu estava de dar pena. Até um mendigo na rua, se me visse, sentiria pena de mim. Não que eu estivesse acabado de aparência. Por fora eu continuava o mesmo Lucas de sempre. Bronzeado, alto, meio desengonçado, um pouco mais gordo... talvez tivessem surgido umas olheiras, mas nada fora do comum. Eu estava acabado de alma. Estava difícil de se conviver comigo. A melancolia que me consumia já era tanta que não cabia no meu corpo, e estava se espalhando para aqueles que estavam ao meu redor. Os sorrisos dos meus amigos, que antes eram constantes, deram espaço para olhares de pena, ou suspiros preocupados.

Lembrei de uma noite que saí do meu quarto para pegar uma cerveja na cozinha. Estava ouvindo nossa música, e tomei a conclusão que eu precisava me embriagar. O corredor que dá no cômodo da casa me fez passar em frente do quarto da Julia. Parei em frente a sua porta quando ouvi soluços de choro. Me encostei ali com cuidado, e tentei ouvir algo que me dissesse o que era que a atormentava. Cheguei a achar que algum garoto havia quebrado seu coração, mas a escutei falar no telefone.

"Não, Anne. Eu não aguento mais isso. Ele só sabe chorar. Ontem de madrugada eu entrei no quarto dele e li um bilhete que ele escreveu pra ela. Aquela, aquela vadia... o que? Ah, ele falava que iria esperar ela pra sempre. Que não importava o tempo, ou o que ela fizesse com ele, ele estava disposto a esquecer tudo."

Senti um calor cobrir meu corpo naquele momento. Ela não tinha o direito de ter entrado no meu quarto, muito menos lido algo que eu escrevi pra Alice. Coloquei a mão na maçaneta e quando fui abrir, ela continuou:

"Ele é um menino tão bom, mas tão idiota. Ele não percebe que ninguém ama um chorão ou um coitadinho. Que ele não vai ter ela de volta desse jeito. Se ele chegar a ter novamente, né? Ele faz tudo errado... Cala a boca, Anne! Ele merece todo o amor do mundo! E se ela não quer dar, ele deveria seguir em frente."

Soltei a maçaneta e passei a mão rosto. Senti um gosto ruim na garganta. Aquilo sempre acontecia quando eu pensava demais. Suspirei e lembrei que tinha que ir até a cozinha. Então fui, e abri a geladeira. Lá tinham algumas frutas, algumas cervejas e uma garrafa de vodka. Decidi que cerveja não era forte o bastante para o meu estado.

– Luke, a Anne trouxe umas bebidas – Julia falou, quebrando o silêncio. A soltei e apertei sua bochecha. Ela deu um tapa na minha mão, e eu ri um pouco.
– Eu não quero beber hoje. Quero estar bem amanhã.
– Ah, então sobra mais pra mim.

Ela virou de costas e saiu pulando, jogando água pra todo lado. Fui logo atrás dela, resmungando coisas sobre a idade dela e que ela viraria uma alcoólatra brevemente.

Fomos andando até a parte mais movimentada da praia. Anne estava sentada e Arthur a abraçava por trás. Perto deles estavam nossas mochilas, e do outro lado estavam duas pranchas de stand up paddle. Anne levantou-se quando me viu. Tirou a areia dos seus shorts e veio até a mim. Continuei olhando para Arthur, que não ficou nem um pouco contente com aquilo.

– Olha, eu olhei pro mar e percebi que ele está em ótimas condições para stand up paddle. O que você acha, ein? Vai ser ótimo, você pode treinar seu equilíbrio. – Ela sorriu mostrando os dentes, e mexeu a cabeça. Como se quisesse dizer: "eu sei, eu sou demais". E realmente era.
– Você é genial – baguncei seus cabelos e fui até as pranchas. Peguei uma delas, peguei o remo e fui em direção ao mar.

Olhei de relance e vi que Anne já estava ao meu lado. Sorri para ela, e ela retribuiu. Surfar com Anne sempre foi muito divertido. Mesmo quando ela era terrível, ela sempre me fazia rir ou me sentir empolgado. Surfar de remo não era diferente. Claro que não era tão divertido quanto o surf normal, mas, naquelas condições, era a única opção. Stand up paddle não precisava de ondas necessariamente. Apenas um mar calmo, e muita paciência.

Subi na prancha e comecei a remar. Anne estava logo do meu lado. Ela estava calma, olhando para o alto-mar. Eu comecei a olhar para algum canto, mas não prestava nem um pouco de atenção nele. Sempre que eu não estava ocupando minha mente com alguma coisa, começava a pensar em Alice. Eram sempre as mesmas coisas.

Eu pensava em desistir. Pois, eu sempre soube que conseguiria seguir em frente. Pensava em todos os pontos ruins de nossa relação. De como ela se esquivava quando eu dizia coisas bonitas. O fato dela só dizer "eu te amo" se eu dissesse primeiro. Em como ela não me mandava mensagens antes que eu mandasse e não se importava se eu demorasse a respondê-la - quase nunca, pois eu passava tempos olhando o visor do meu celular quando ela demorava minutos para responder minhas mensagens, enquanto eu respondia na hora. Eu sempre achava mil motivos para desistir dela. Que não valia a pena sofrer tanto por uma pessoa que não fazia a mínima que eu estivesse ali ou não. Mas, minha mente sempre foi muito complexa. Ela nunca para em um assunto só. Então, depois de pensar em todos os motivos ruins que me fariam desgostar dela, eu lembrava de seu sorriso. Do jeito tímido que ela sorria quando eu falava que ela era a melhor. Lembrava dos seus dedos passeando no meu braço após de uma boa transa. De como ela dizia que eu não fazia ideia de como eu a deixava, das coisas que eu provocava nela. De como eu encontrava paz olhando dentro de seus olhos. Então eu simplesmente desistia. Desistia de desistir dela. Que todo sacrifício valeria à pena. Que ela valia à pena. E, que se ela não fosse desse jeito, indiferente, misteriosa, eu não a amaria na intensidade que fazia.

Mas eu não conseguia parar de pensar na noite em que ouvi Julia no telefone. Em como ela estava certa no fato de que ninguém ama um coitadinho. Tiro isso por minhas experiências próprias. Eu amaria Alice da mesma forma se ela fosse fácil como todas as outras garotas que viviam atrás de mim? E eu pensei: eu amaria uma pessoa como eu? Obviamente não. Então eu decidi mudar. Mudar para melhor. Eu iria me controlar. Não correria mais atrás dela. Não iria parar de sentir, porque eu sabia que aquilo era impossível. Mas eu só ia fingir não me importar. Eu não demonstraria mais nada.

Ter isso na mente me fez sentir um alívio, então suspirei.

– Ei, Lucas – Anne jogou um pouco de água em mim com o seu remo.
– Oi?
– Você está tão calmo... Tá tudo bem?
– Tá sim – menti. Sorri, tentando confirmar. – Está tudo maravilhoso.

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