II

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Hoje eu tirei o dia inteiro para ler, e relaxar a minha mente, já que eu começo a trabalhar na segunda, chamei a garçonete e pedi mais um café e um pedaço de torta alemã. Era uma garota simpática com o cabelo preso em tranças, e não parecia ter mais do que dezesseis anos, apesar do seu sorriso, eu notei pequenas olheiras e um aspecto cansado nela. Ela se dirigiu rapidamente até o balcão.

Enquanto esperava o meu pedido, me levantei e fui até a estante, repleta de livros antigos e novos, devolver o que terminei e pegar outro. Observei os títulos acariciando as lombadas, alguns pareciam realmente antigos. No canto esquerdo, quase imperceptível, há um livro de capa de couro marrom, retirei-o com extremo cuidado para não danificar, pois parecia bem velho. Na capa estava escrito em letras que - ao que parecia - um dia foram douradas" História de Black Hill'. Curioso, mas não surpreendente.

É uma cidade tão pequena, mas tudo aqui remete a uma época mais antiga. Apesar de ter se modernizado, ainda há ruas e bairros que permaneceram intocados desde que foram construídos. Um lugar relevante o suficiente pra ter sua história contada. Peguei mais um romance aleatório e voltei para a minha mesa. Quando a garçonete chegou com o meu pedido, lhe perguntei gentilmente.

-Com licença, senhorita... - Eu observei o nome dela no crachá. - Alice. Seria possível pegar algum livro emprestado e levar para casa?

-Ah. Sim, é claro. Você só precisa escrever o nome do livro e o seu próprio no caderno que está ao lado da estante.

Eu agradeci e antes de abrir o livro, hesitei e decidi me focar no romance que escolhera me perdendo na história depois de algumas páginas. Quando percebi já estava quase anoitecendo, anotei meu nome e o do livro que pretendia levar, História de Black Hill, conforme fora orientando. Deixei o dinheiro junto com a gorjeta em cima do balcão e saí do estabelecimento.

A noite já começava a despontar, percebi as primeiras estrelas no céu e em vez de chamar um táxi, decidi ir caminhando até a minha casa e apreciar a vista que essa cidade me proporciona. Apertei o cachecol ao redor do meu pescoço, me perguntando por que as noites aqui pareciam ser tão frias. Havia um casal de jovens sentados em um banco, a moça parecia chorar enquanto o rapaz a consolava, nenhum dos dois parecia notar o quão próxima deles eu estava, o suficiente para ouvir o que diziam.

-Estou tão cansada... Eu quero ir embora daqui.

-Eu sei, mas eu ainda estou com você. - Ele enrola o dedo em uma mecha do cabelo preto dela.

-Por que... nós? -Por um momento o rapaz desaba, como alguém que há muito vem segurando um fardo que lhe é demais. Ele enterrou o rosto no pescoço dela, as lágrimas se derramando pelo vestido branco da jovem. Aquela cena me prendeu e me deixou estranhamente comovida. Até eu perceber que aquilo escorrendo pelo corpo dela, não eram lágrimas.

Continuei parada meio desorientada, encarando aquela cena, pra dizer o mínimo, peculiar. Comecei a achar que algo ali não parecia certo, talvez ele a tivesse machucado. Peguei o meu telefone para chamar a polícia, disquei o número com rapidez e tornei a olhar para o casal, pensando o que dizer quando alguém atendesse do outro lado.

Mas dessa vez eu era o foco da atenção deles. Os dois estavam virados pra mim. Olhos vazios, sem órbitas, no lugar que antes julgara ter visto lágrimas, agora há uma linha vermelha que escorre continuamente. Fechei os olhos com força ciente de que eles ainda permaneciam ali diante de mim. Mais perto. Cravei as unhas na palma da mão esquerda, até o meu próprio sangue escorrer e manchar a grama verde e impecavelmente cortada.

Por um momento eu senti como se estivesse caindo e não houvesse um chão abaixo de mim, nada a que eu pudesse me agarrar ou segurar. Mas alguém, me estendeu a mão. Não consegui ver seu rosto, ou mesmo uma silhueta, mas segurei-a com força, uma última migalha de esperança, antes que a escuridão me envolvesse completamente.

CIDADE SEM COROnde histórias criam vida. Descubra agora