XIX

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Acordei mais cedo do que o habitual, Nathan respondera as minhas mensagens, que eu enviara com o propósito de parecer normal. Ele iria passar o fim de semana ocupado, mas talvez pudéssemos nos ver na noite de domingo. Era tempo suficiente, eu pensei.

Vesti roupas confortáveis e fui correr, deixando a música tomar minha mente, me aproximei de um bosque e senti uma necessidade estranha de entrar ali, corri por cerca de uma hora até sentir minhas forças sendo exauridas. Me encostei em uma árvore, e uma sensação esquisita e ao mesmo tempo boa me envolveu.

Era como se ela estivesse me emprestando sua energia, retomei minha corrida e percebi que meus sentidos estavam mais aguçados, e meus movimentos mais firmes e rápidos.

Eu ainda tinha algum tempo antes de retornar, pois acordara cedo, então me sentei no chão de pernas cruzadas e fechei os olhos, deixando que o lugar me absorvesse e senti como se estivesse flutuando acima do chão. Quando abri meus olhos, percebi que não era só um sentimento, eu realmente flutuava acima dele. Uma risada me escapou e eu acabei me desconcentrando, e caindo no chão, mas não fui tomada por nenhum tipo de dor, apenas pela sensação da terra tocando meu corpo, como se fosse uma extensão de mim mesma. Voltei para casa com aquela sensação exultante, quando abri a porta e tomei um pouco de água, vi que a tela do meu celular estava acesa. Era uma mensagem de Miguel.

Hoje, ás 9:30. Me encontre na casa de Arthur.

Senti um arrepio percorrer minha coluna, como se estivesse prestes a fazer grandes descobertas. Algumas talvez não fossem tão agradáveis. Observei o relógio, e me dirigi para o banheiro. Minha percepção do universo tinha estado diferente nos últimos dias. Como se eu estivesse me movendo em uma atmosfera gelatinosa, o ar, as pequenas partículas não passavam despercebidas.

Havia também aquela sensação de energia fluindo de dentro para fora e vice versa, eu era as partes, mas também era o todo. Naquele momento eu tive medo, do monstro que permanecia debaixo da cama, e ás vezes no reflexo do espelho atrás de mim. Agora ele tinha uma forma e fizera parte dos meus dias na pacata cidade de Black Hill. Uma risada me escapou. Era tudo tão risível, mas de repente lágrimas brotaram dos meus olhos e eu comecei a chorar copiosamente.

As vezes esquecer é o melhor presente que podemos receber.

A frase ficou girando na minha mente, não conseguia me recordar de onde ela vinha. Apenas me senti mais calma ao pensar naquelas palavras.

Vesti minhas roupas e peguei o material que usaria naquele dia, tentando concentrar-me nas aulas daquele dia, não podia permitir que as crianças percebessem que tinha alguma coisa errada. O dia correu de forma tranquila, mas no final da tarde ventos fortes começaram a chegar, anunciando uma tempestade inesperada. Relâmpagos iluminavam a cidade e trovões explodiam, um raio destruiu a árvore que ficava na frente do meu prédio.

Mas eu não me assustei, fui tomada por uma estranha apatia, parecia que algo me preparava para o que estava por vir.

Peguei um guarda chuva e caminhei pelo chão molhado, a chuva diminuíndo a cada passada que eu dava. Fechei meus olhos e desejei profundamente que tudo ficasse bem. Caminhei vagarosamente pisando em poças de lama que se acumulavam na estrada, o sol já estava se pondo e a floresta foi banhada pela luz crepuscular daquele fatídico dia. Me peguei observando a natureza, parecia tão viva... Um grande coração pulsante. Estendi minha mão esperando que qualquer coisa me desse uma resposta positiva.

Escutei um grasnar semelhante ao de corvos e notei que na árvore mais alta, um pássaro solitário me observava com olhos inteligentes, como se pudesse ler meus pensamentos ele deu um voou baixo e pousou no chão. Me abaixei ainda com a mão estendida, esperando...

Ele caminhou calmamente, testando minha paciência e bicou de leve o meu dedo. Depois retomou o voo e pousou novamente. Me observando como se eu fosse idiota, ele deu um grasnar mais alto. Imaginei que eu deveria segui-lo. A ave continuou repetindo os mesmos movimentos, até chegarmos em uma clareira. Havia uma mulher sentada em uma enorme rocha.

A observei, ela permanecia de costas para mim. Mas sua voz foi suave e profunda, e eu tive certeza que já tinha ouvido antes.

-Acho que você ainda não entende a natureza do seu dom, mas vai encontrar as respostas nos meus livros.

-Siena? – Pude ver que seus ombros tremeram um pouco.

-Meu... Acien acha que é invencível. Mas não há ninguém que o seja. Ele possui a aptidão herdada por mim, o conhecimento e a experiência. Mas há algo que foi dado a você, que ele nunca poderá ter. Quando seus pais morreram, eles ofereceram suas vidas em sacrifício para que sempre se mantivesse segura.

-Meus pais não morreram em um acidente?

-Eu receio que não. Mas as respostas vão estar lá. Você sabe onde. Espero que tenha sorte.

Naquele momento, ela se virou com as órbitas vazias, e eu me lembrei de quando a vira, naquele sonho, na minha primeira noite nesta cidade, de certa forma ela parecia uma criatura assustadora, mas agora a única coisa que sinto é um vazio e uma tristeza indescritíveis. De repente senti minha visão escurecer, o sangue parecia circular a uma velocidade menor, fechei os olhos forçando um pouco, quando os abri, estava diante da cabana de Arthur. Olhei confusa para os lados, me perguntando como chegara ali.


CIDADE SEM COROnde histórias criam vida. Descubra agora