Quando chegamos diante da cabana, havia um homem parado lá, girava uma pequena pedrinha entre os dedos, parecia distraído e alheio a nossa presença. Ele ergueu seus olhos e sorriu para mim. Um sorriso muito semelhante aos que usara quando nos encontrávamos para conversar sobre a cidade.-Sabe, eu estava realmente me perguntando por que não conseguia encontrá-los e nem descobrir o que estavam planejando.
Ele se ergueu em uma velocidade inumana, e disparou a pedrinha no gazebo que Arthur construíra com tanta dificuldade. O velho Arthur. – Acien soltou uma risada, mas não estava feliz. - Quem iria desconfiar do velho senil que mal consegue andar por si mesmo. Embora ultimamente tenha parecido bem disposto.
-Deixe Arthur em paz. – Miguel falou, mas não havia firmeza em sua voz.
-Eu deveria ouvir os conselhos de um traidor? – Ele disse voltando-se novamente para Arthur. – E você, isso é magia antiga e muito poderosa. Só quero saber quem te ensinou.
-Foi a minha mãe. – Ele ergueu os olhos para Acien, forçando-o a encará-lo.
-Então, por que não se revela? – Revelar? Me perguntei internamente, percebendo que a conversa fluía como se os dois se conhecessem.
-O que ele quis dizer com isso? - Perguntei baixinho. Ele apenas me fitou com olhos tristes e sua aparência começou a mudar.
Não haviam mais as rugas profundas, nem os dentes amarelados ou a cabeça levemente calva. Em seu lugar estava um jovem que não parecia ter mais que vinte e cinco anos. Possuía cabelos loiros e a pele levemente dourada, braços fortes e ombros largos, mas as feições eram muito parecidas com a do próprio Acien.
-Você realmente se parece com ela. – Havia um vestígio de ternura em sua voz, que logo desapareceu.
-Ela me ensinou bem. – Ele sorriu e seus olhos continham o mesmo brilho travesso de antes. – E eu não estou mais sozinho. -Acien soltou um gargalhada.
-Está falando da orfã levemente perturbada e do dr. que não consegue correr mais que meio quilômetro? Boa sorte para vocês.
Ele ergueu as mãos e uma névoa escura pousou ao nosso redor. O céu cheio de nuvens se tornou ainda mais escuro, como se aquela escuridão pudesse ser apalpada com as próprias mãos. Eu me senti entrando em pânico tivera pouquíssimo tempo para ler os livros, Acien parecia forte demais, e eu não sabia se podia enfrentá-lo.
-Linda, seus poderes respondem ao comando das suas emoções, quanto mais forte ela for, maior será o dano. – Ouvi a voz suave de Arthur me orientar gentilmente.
Fechei meus olhos e me concentrei na gravação que ouvira mais cedo e que me abalara tanto, e me concentrei. O universo respirando ao meu redor apenas esperando a minha disposição de unir-me a ele para salvar aquelas pessoas tão atormentadas em vida, quanto na morte.
Senti a energia me envolver, éramos um. Abri meus olhos deixando a força fluir de forma esmagadora dissipando toda a névoa e atingindo Acien com fúria. Seu corpo foi arremessado até colidir com uma árvore, e ele cuspiu um bocado de sangue. Em seus olhos havia confusão, mas também uma raiva incontida, ele estendeu a mão em direção a mim e apertou os dedos com força.
-Por que não funciona nela? – Ele parecia perguntar mais para si mesmo.
-É por que ela possui o mesmo sangue que o seu, provavelmente é descendente do seu pai. Afinal, o sobrenome dela é Carter.
-Não é possível. – Sua expressão era confusa e distorcida, ele veio correndo em minha direção, mas daquela vez não consegui canalizar minha energia. Então apenas fechei os olhos e esperei que ele me acertasse com tudo.
-Linda! Cuidado! – Ouvi Arthur gritar.
Mas naquele momento quem eu vi na minha frente foi Miguel, com o sangue escorrendo pelo queixo, o coração havia sido atravessado no meu lugar.
-Dr. Miguel... Por que você fez isso? – Minha voz soava embargada. Arthur disparou contra o próprio pai, numa ferocidade absurda. Enquanto eu tentava estancar o sangue.
-Bem... Eu não posso correr mais que meio quilômetro, mas eu faço mais que isso, eu sou um médico. Eu salvo vidas! – Lágrimas molharam o meu rosto enquanto ele tossia mais um bocado de sangue. – Quem sabe, se você esmagar Acien com seu poder espetacular rapidamente, ainda haja uma chance para mim. Mas, não deve hesitar, deixe sair. Tudo.
Eu apenas concordei com a cabeça incapaz de dizer qualquer coisa, corri para o lado de Acien, confiante de que ele precisava ser aniquilado. Não esperei reunir energia, apenas fui em direção a ele, como se o mundo dependesse disso.
-Use o seu sangue! - Arthur gritou para mim. Enquanto fazia um pequeno corte no pulso. Eu o acompanhei e atacamos juntos.
No momento em que o sangue, tocou a pele da Acien começou queimar. E eu lembrei do feitiço que lera primeiro, quase como um sussurro do além.
-O sangue que prende é o mesmo que liberta. – Eu repeti com firmeza e o chão começou a tremer. O vento começou a soprar com mais força como se fosse o rugido de um leão.
-Não... – Acien parecia um animal encurralado.
Centenas de almas se aglomeravam ao redor dele, devorando cada parte do seu corpo, até que não restasse mais nada, seus gritos ecoavam nos quatro cantos de Black Hill, mas ninguém além de nós conseguia ouvir.
Amanhã as pessoas levantariam e tudo estaria normal, elas falariam um pouco sobre o desaparecimento do jovem detetive simpático e que estava sempre disposto a ajudá-las, mas em algum tempo ele seria apenas uma lembrança distante.
Corremos para o nosso amigo, mas não conseguíamos sentir sua respiração. Meu coração encolhendo a cada minuto. Ligamos para o hospital e eles o levaram, mas já não havia muito o que pudesse ser feito.
Alguns dias se passaram, fomos ao enterro de Miguel e eu continuei a dar minhas aulas. Percebi que uma grande tristeza se apossara de Arthur. A culpa que ele carregara pela morte do amigo, era grande demais.
-Eu o envolvi nessa história. Se não fosse por mim, ele não... – Sua voz falhou e eu me sentei ao seu lado e segurei sua mão.
-Ele odiaria vê-lo assim, você sabe. E ele se sacrificou para me salvar, se há alguém que deveria se sentir culpado, esse alguém sou eu. -Eu o abracei, sentindo o coração bater mais forte. Então continuei.
-Ele me disse que não importava se ele não pudesse correr mais que meio quilômetro, pois o que ele fazia era muito maior, ele salvava vidas.
-Ele estava certo, ele era o cara. Mas queria que ele tivesse a chance de ter visto a Black Hill de agora.
-Bem, talvez ele esteja vendo. De algum lugar que é infinitamente melhor que esse.
-Você pode ter razão. – Arthur disse esboçando o primeiro sorriso que eu vira em semanas.
Já era um começo, eu pensei.
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CIDADE SEM COR
HorrorApós a morte de sua avó, Linda decide recomeçar sua vida na pacata cidade de Black Hill. Mas ela vai descobrir que nem tudo sobre o lugar é tão tranquilo quanto parece ser.