Vai? Acho que ele era otimista demais. Tudo que eu queria era sair daqui e fingir que esse lugar nunca existiu. Mas uma vozinha lá no fundo da minha mente dizia, você não vai sair daqui. Nunca. O sangue. Eu senti um frio na barriga. Olhei para Nathan e então, sorri, tentando demonstrar um pouco que seja de confiança.A volta pra casa foi silenciosa. Minha mente divagando em tudo que eu vi, ouvi, e o que me foi dito, era coisa demais pra eu tentar me convencer de que era ficção, ou mesmo loucura, encarei uma fileira de árvores frondosas, as sombras projetadas por elas pareciam se mover, como se houvessem criaturas se esgueirando através do escuro. Olhando assim, eu entendo por que ninguém quer sair da segurança -supostamente- de sua casa á noite. O detetive estacionou em frente ao prédio, eu fitei a janela, esperando a mesma sensação de antes de sair. Desci do carro, as ruas vazias, o vento soprando parecendo um canto fúnebre. Eu apertei o casaco em volta do corpo.
-Vamos subir. -Nathan encarou a construção antiga, como alguém que já viveu muitas vezes a mesma situação. Acenei com a cabeça concordando, e deixando que ele fosse na frente, então o segui.
Na entrada do prédio, eu ouvi uma criança chorando. Ela estava encolhida no canto da parede, as pernas estavam cheias de arranhões, e ela usava um vestido gasto, de um rosa desbotado, muito sujo. Olhei em volta, o detetive parecia alheio ao que estava acontecendo ali. Decidi me aproximar e perguntar se ela precisava de algo, um pouco relutante, ela para de chorar.
-Mamãe? É você? -Eu engoli em seco e me aproximei com cautela.
-Não querida, eu não sou sua mãe. - Nathan me ouviu falando e veio em minha direção, algo em sua expressão parecia urgente. A menina agarrou meu braço e eu senti a pele queimar enquanto o sangue escorria sobre os dedos, ela levantou a cabeça e me encarou, seus olhos, com órbitas vazias, pareciam pulsar sobre a carne vermelha e enegrecida, a boca dela se abre num ângulo estranho. Eu queria gritar, mas todos os sons pareciam sufocados. Eu senti alguém me puxar. Ele sussurrou no meu ouvido.
-Se vire devagar. -Pequenas lágrimas escorriam dos meus olhos. Medo. Horror. Sem conseguir dizer uma palavra eu apenas fiz o que ele dizia.
-Agora olhe pra mim. Olhe pra mim, Linda! Mantenha seus olhos nos meus, se atenha a vida que pulsa dentro de mim, somos só nós dois, não há ninguém além de nós aqui. Respire. - Ele me envolve em um abraço.
-Ela era só uma criança. -Eu digo soluçando.
-Não, Linda, ela não era. Você precisa ignorá-los, vai vê-los muitas vezes, não fale com eles, não olhe pra eles, são manipuladores, sabem das suas fraquezas e não vão hesitar em usá-las contra você. Venha, vamos subir logo.
Nós entramos no apartamento, me permiti afundar no sofá, enquanto Nathan foi até a geladeira e me trouxe um copo de água, então se sentou ao meu lado.
-Qual é o problema com esse lugar? -Minha voz saiu embargada -Eu devo mudar de prédio?
-Sinto, não vai adiantar, eles estão por todo canto dessa cidade. - Eu o fitei incrédula.
-Nathan, o que essa cidade é?
-Ela é o que nós chamamos de cidade sem cor, um lugar que foi completamente abandonado pela luz.
-Então por que as pessoas não deixam esse lugar? Ficar aqui, é loucura!
-Elas não podem, estão presas aqui, nós também estamos.
-Como assim?
-Pelo sangue, se o seu sangue toca esse solo, você se torna parte dele, se sair da cidade, sem intenção de voltar, ela vai saber e vai atrás de você, e acredite, você não vai querer isso. - Minhas mãos tremiam.
-Como vocês podem fazer isso? Como permitiram que eu viesse pra esse lugar? -Eu me sentia traída e magoada.
-Nós não temos escolha. -Ele balançou a cabeça, parecia muito cansado. Eu me levantei irritada.
-Você sempre tem uma escolha!
-Não aqui. – Seus olhos pareciam profundamente tristes e eu senti vontade de tocá-lo. - Eu acho melhor você ir dormir, tem que trabalhar amanhã.
-Dormir?! Como eu poderia?
-Eu sei que está com medo. Que são muitas informações para receber de uma vez. Mas vai ficar tudo bem.
-Não, não vai. Eu não quero viver com essa sensação, eu não quero ter que encarar isso todos os dias, até Deus sabe quando. - Minha voz era quase como uma súplica. - Quero que me fale sobre o que ela é. - Ele deu um suspiro.
-Está bem, você pode me preparar um chá? - Eu o observei, achando que o havia convencido rápido demais, então me levantei e coloquei a chaleira no fogo, peguei dois sachês, e depois de alguns minutos retornei com o chá pronto. - Preciso de lápis e papel.
-Tudo bem, me dê dois minutos. -Corri até o meu quarto e peguei o bloco de anotações que eu usara com frequência, e uma caneta que estava em cima da cômoda. Retornei para a sala de estar, e me sentei de frente para ele. Tomei um gole grande de chá e o observei enquanto ele escrevia algo. Minhas pálpebras começaram a pesar, e meus músculos enfraqueceram. Conseguia ver sua boca se movendo, parecia me dizer algo, mas não conseguia ouvir, o sono me dominou e eu adormeci profundamente.
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CIDADE SEM COR
HorrorApós a morte de sua avó, Linda decide recomeçar sua vida na pacata cidade de Black Hill. Mas ela vai descobrir que nem tudo sobre o lugar é tão tranquilo quanto parece ser.