XVII

4 3 0
                                    

O dia ocorreu sem menores incidentes e nenhuma descoberta, me mantive concentrada nas aulas e separei alguns textos que deveriam ser revisados em casa pelos alunos, quase esqueci que tinha um objetivo que era maior, precisava trazer a verdade a tona. Embora ainda nutrisse dúvidas dentro de mim, reconhecera que talvez as coisas que vira e assombrara, na verdade estavam pedindo desesperadamente por ajuda.

Mas é claro que eu nunca havia percebido isso, Nathan a orientara pra não dar atenção a eles, ignorá-los. Nathan...

Meu coração bateu um pouco mais rápido ao pensar nele, mas não era um sentimento bom. Enquanto tecia conjecturas em minha mente, me dirigi para onde marcara de encontrar o velho Arthur para o almoço.

Ele ainda vive. Aquelas palavras a assustaram bastante, se Acien era o responsável por tudo de ruim que acontecera ali e usara sua mãe como um bode expiatório para manter seu nome oculto na história, isso significava que ele ainda vivia e que era alguém que tinha grandes conhecimentos do local.

Minha intuição me direcionava para um lugar onde a lógica dizia que sim e o coração dizia que não era possível. Eu não podia aceitar.

Nathan. Senti um bolo se formando no meu estômago, queria vê-lo, ver o seu sorriso e ter certeza de que era ilusão da minha cabeça.

Me aproximei do local onde Arthur marcara, e me sentei em um banco isolado e fiquei apenas observando o ambiente.

Eu me sentia estranha de um jeito bom, fechei meus olhos e me concentrei nos sons da natureza, aquilo me acalmava desde criança. Mas naquele dia foi, de certo modo, diferente, nas outras vezes eu sentia como se estivesse observando a natureza de um panorama distante, mas agora eu a sentia como uma extensão do meu corpo, como se o meu coração e o dela batessem como um só. O vento roçou meu rosto, como na primeira vez que eu cheguei nessa cidade, e eu senti sua pulsação enfraquecida como alguém que está a beira da morte, mas se recusa a ir.

Black Hill se estendia por uma série de colinas que ficavam constantemente banhadas pela neblina, as árvores e os pinheiros altos pareciam estar aqui por séculos, como se o tempo permanecesse estagnado. E quando o sol se punha podia-se ouvir o farfalhar das folhas como sussurros, ás vezes gritos. Gritos que pediam por socorro.

Senti uma mão tocar meu ombro e despertei do meu devaneio. Abri os olhos rapidamente e me virei para ver o rosto gentil de Arthur me encarando.

-Vamos senhorita? - Ele me estendeu a mão alva como a neve e eu segurei com cautela, temendo que qualquer esforço pudesse quebrar seus ossos.

-E para onde nós vamos? Eu me levantei tirando uma poeira que tinha se acumulado sobre a blusa.

- Para a minha humilde casa. -Ele sorriu. E seguiu caminhando numa velocidade que eu mal conseguia acompanhar.

Nós subimos por uma estradinha de terra cercada por arvoredos e arbustos, até chegar diante de uma pequena cabana como aquelas de caçador. Havia um jardim cuidadosamente cultivado e um pequeno gazebo que eu julgara ser o próprio Arthur que fizera.

Me aproximei para observar, e percebi que era muito bem elaborado, e que haviam letras antigas entalhadas na madeira, não era algo que eu conseguisse ler.

-Você fez um trabalho incrível aqui. - Ele riu, enquanto caminhava para a porta.

-Eu apenas tive muito tempo.

-E onde está a sua família. - Arthur apenas balançou a cabeça.

-Minha mãe morreu, há muitos anos. Meu pai nunca teve grandes interesses em mim, ele provavelmente nem sabe da minha existência. Nunca fui casado, nem tive filhos.

Eu o encarei sentindo que era o homem mais solitário que eu já conhecera. Ele voltou seu olhar para o céu, que estava fechado, alertando que mais tarde a chuva chegaria nas colinas.

-Mas não tenha pena de mim, eu tenho o que muitos querem.

-E o que seria? - indaguei curiosa.

-Um objetivo de vida. - Ele estendeu a mão para que eu entrasse. E eu refleti sobre o que ele dissera e de fato ele tinha muito mais que a maioria, que não faz ideia do porquê está aqui.

Me aproximei da cabana e entrei, o lugar consistia em uma cozinha, com armários perfeitamente organizados, um fogão e uma pia pequena, e uma pequena sala separada por um balcão de madeira e algumas banquetas, decorada com um sofá escuro em perfeito estado e uma estante grande de livros todos encadernados em couro. Na parede não haviam porta-retratos, apenas um quadro que retrava a Black Hill de outra época e um carabina velha. Haviam mais duas portas que eu supunha ser o banheiro e o quarto. E uma escada que eu não fazia ideia de aonde levava.

Ele se dirigiu até o forno e tirou uma torta que cheirava muito bem, ouvi meu estômago roncar baixinho.

-Posso ajudá-lo de alguma forma?

-Claro, pegue os pratos e os talheres, no armário a esquerda.

Coloquei a mesa com rapidez e peguei duas taças quando vi que ele voltava com uma garrafa de vinho. Nos servimos rapidamente e começamos a comer.

-A senhorita sabe a razão de eu trazê-la até aqui? - Arthur falou com serenidade, mas estava mais sério que o normal.

-Na verdade não. - Ele tomou um gole da taça, esvaziando-a rapidamente.

-Ele já sabe. Sabe que descobriu a verdade sobre a mãe dele. Sobre a cidade.

Esfreguei as têmporas. Me sentindo bastante cansada. Arthur percebeu e segurou minha mão e me senti calma novamente.

-Você sabe quem ele é? - O velho franziu atesta e apenas balançou a cabeça concordando.

-Sei que não quer admitir para si mesma, pois o tem em alta conta. E não é pra menos, desde que chegou aqui ele se apresentou como o seu herói e jurou protegê-la. E iria mesmo, mas aí você escolheu ficar no caminho dele. Então agora o inimigo a ser aniquilado é você.

-Então o que devo fazer, deixar que essas almas permaneçam presas aqui, nesse círculo de ódio, dor e sofrimento?

-Por isso que estamos aqui, há muitas coisas sobre mim, que ainda não sabe, senhorita linda. Mas agora, nós temos um lugar onde precisamos ir.

-Sabe como derrotá-lo?

-Acredito que os livros de Siena, devem nos orientar sobre isto, claro que eles estarão em algum lugar que as pessoas jamais imaginariam.

- Eu começaria procurando pelos lugares óbvios, precisamos entender como a mente dele é estruturada.

-Acho que devemos procurar em lugares diferentes, eu posso ir para a biblioteca e você pode dar uma passada na escola. Nos encontraremos antes do jantar.

Me levantei da cadeira e agradeci pelo almoço, saí a passos rápidos a cabeça martelando e o coração batendo descompassado, meu mundo parecia estar girando, me apoiei numa árvore grande e de novo me veio aquela sensação de calma, como se o nosso coração batesse ao mesmo tempo, como se as nossas raízes viessem do mesmo lugar. Respirei fundo e segui em frente, meu espírito renovado me dizendo para não recuar e nem olhar para trás.

CIDADE SEM COROnde histórias criam vida. Descubra agora