CIDADE SEM COR

VIII

O despertador me acordou ás 6:00. Me estiquei sobre as cobertas e fiquei encarando o teto me sentindo como se estivesse flutuando. O dia estava parcialmente nublado, não parecia que ia chover, mas o ambiente ainda passava a impressão de estar escuro, como se uma tempestade enorme estivesse se aproximando. Esfreguei os olhos e observei ao redor, pelo menos a sensação de que tinha alguém comigo desapareceu, embora eu me sentisse cansada como se todas as minhas energias tivessem sido drenadas.

Olhei para o criado mudo e percebi que um pedaço de papel estava lá, me sentei na cama repassando os acontecimentos da noite anterior, com uma certa apreensão abri o bilhete, mas era apenas a letra do Nathan, eu suspirei aliviada, tentando me convencer de que tudo o que aconteceu foi apenas um pesadelo demorado e que as coisas seriam normais, mas assim que comecei a ler, os tormentos que passei desde o dia em que coloquei os pés nesse lugar, jorraram como uma chuva torrencial, me fazendo afundar sobre a cama.

Querida Linda,

(foi você quem disse que adora um clichê)

Estou olhando pra sua expressão enquanto dorme, parece tão serena.

Eu sei que você deve estar se perguntando o que aconteceu, e eu vou explicar. A verdade que eu droguei sua bebida para que você tivesse uma noite tranquila. E por favor não me julgue por isso.

Ok. Isso sim é bem assustador. Igual nos filmes. Eu balancei a cabeça.  Bom, pelo menos eu não fui sequestrada, ainda estou em casa, para a minha infelicidade. Eu soltei um suspiro e continuei a ler, franzindo a testa a cada linha.

O fato é que eu sei que você precisa trabalhar amanhã, e se eu te contar o resto da história dessa cidade, você não iria conseguir dormir por muito tempo. Mas prometo que te falarei em breve, apenas dê um tempo, primeiro eu preciso te ensinar como sobreviver a essa cidade, e eu prometo que eu vou te explicar tudo, e você verá que a vida aqui pode ser boa, desde que você faça alguns sacrifícios e se esforce. Não é pedir muito é?

Confesso que eu queria que ele estivesse aqui agora, eu daria um soco bem no meio daquele rosto perfeito dele, e faria ele engolir cada uma dessas palavras. Como ele pode fazer parecer uma coisa tão insignificante? Que absurdo! Ás vezes eu acho que ele é realmente louco. Eu me volto para o bilhete, que mais parece uma carta, e prossigo.

Ademais, eu gostaria de acrescentar, que você é realmente linda, se quiser me encontrar, eu vou te esperar ás 17:00, no café que você costuma ir, mas não é como se você tivesse muita escolha, né? Espero que tenha um ótimo primeiro dia de trabalho.

seu, Nathan.

Como ele sabia qual o café que eu costumo ir? Estava começando a achar  que ele próprio era mais assustador que os fantasmas ou talvez seja só louco. Eu tenho certeza. Depois de me arrumar para o primeiro dia de aula, tentei me tranquilizar um pouco, observei pela janela enquanto tomava mais uma xícara de café antes chamar um táxi, a cidade está bem movimentada, parece um lugar completamente diferente de ontem á noite.

Meu celular vibrou, e eu olhei pela barra de notificações. Era o detetive, me desejando sorte no colégio e me lembrando da proposta que me fez antes.  Senti uma vontade absurda de arremessar o celular pela janela, mas ainda precisava dele e como não queria falar sobre essas coisas, simplesmente ignorei a mensagem.

Saí do apartamento e antes de fechar a porta eu encarei o ambiente, que estava absurdamente silencioso, mesmo em plena luz do dia esse lugar ainda me causava arrepios. Eu tranquei a porta e desci as escadas rapidamente, feliz de estar saindo dali, fiz sinal para um táxi, que parou rapidamente, um vento frio me fez apertar o casaco ao redor do corpo, eu entrei no carro e fui para a escola.

Uma sensação de urgência tomando conta de mim, como se eu devesse ir a outro lugar, eu procurei ocupar meus pensamentos com outras coisas, comecei a avaliar o plano de aula que fiz antes, mas não consegui obter a concentração que precisava, essa cidade parecia estar acabando com qualquer gota de sanidade que algum dia eu tivera. Vovó... Como a senhora conseguiu sobreviver a esse lugar sem perder completamente a razão?