Um pequeno filete de sangue escorreu pelos meus dedos, balancei a cabeça e encarei o papel novamente percebendo que não havia nada. Foi a experiência de ontem, tentei me convencer. Amassei o pequeno pedaço papel e joguei no cesto de lixo no canto da parece.Naquele instante ouvi uma voz que brotou como um sussurro, murmurando uma série de palavras incompreensíveis. Ela vem de trás de mim, ou será dos lados, talvez de cima. Me levantei rapidamente do sofá, agarrando-me as paredes, sentindo como se tivesse perdido uma quantidade razoável de sangue e estivesse prestes a desmaiar. Eu tentei ficar tranquila. Ainda eram 04:45 da tarde, ouvi vozes na rua, poderia ter sido uma delas. Eu desabei no chão.
Um pensamento veio a minha cabeça. O livro! O livro da história de Black Hill! Estava comigo, naquela noite. Mas pra onde foi levado? Nathan. Eu devo ligar pra ele agora? Mas ele parecia estar realmente ocupado, melhor esperar até mais tarde. Usando toda a força que restava, me ergui e fui até o banheiro tomar um banho rápido.
E decidi agir o mais normalmente possível. Preparei os meus livros pra levar amanhã para a escola. Seria o meu primeiro dia de aula e eu gostaria de deixar uma boa impressão. Algumas horas planejando e percebi que estava faminta, abri os armários, porém não havia muitas opções, com exceção de alguns biscoitos, molho de tomate e pão de centeio. Precisaria fazer compras logo. Meu celular vibrou, era uma mensagem de Leah.
-E aí garota, preparada para o seu primeiro dia?
-Já nasci pronta!
-Essa é a minha garota. Tô de saída. Até mais!
Fiquei feliz por ela ter lembrado que eu começo amanhã, tenho medo que a distância acabe esfriando um pouco a nossa amizade. Embora eu vá conhecer novas pessoas, ela é e sempre vai ser muito importante pra mim. Eu penso em Nathan, será que já posso considerá-lo um amigo? Decidi ligar pra ele, precisava saber sobre o livro. Depois do terceiro toque, ele atendeu.
-Nathan falando, em que posso ajudar?
-É a Linda. Eu não sabia que você trabalhava até tão tarde.
-Ah, Linda. Aconteceu alguma coisa?
-Não. Bom, sim. Tem algo que eu preciso te perguntar. - Ele permaneceu em silêncio, mas antes que eu pudesse prosseguir me interrompeu.
-Não quero parecer presunçoso, mas você gostaria de jantar comigo? Achou que precisamos conversar. - Hesitei por um instante, algumas coisas precisavam ser ditas pessoalmente. Talvez assim houvesse uma chance de ele não achar que estou enlouquecendo. E Nathan era o mais próximo de um amigo que eu tinha nessa cidade.
-Por mim, tudo bem. Onde vai ser?
-Não. Deixa que eu vou te pegar aí.
Estou diante do meu armário de roupas, escolhendo algo que me parece apropriado pra jantar com um cara que eu conheci hoje. Ok. Eu devo estar louca. Percebi como esse pensamento ficara em minha cabeça desde que eu havia chegado aqui.
Enquanto me arrumava, calculei todas as formas que é possível matar alguém, com coisas simples e inusitadas e talvez funcionasse se eu tivesse a força dos psicopatas de filmes de terror que eu assisto. Por fim optei por um vestido azul simples, com um cardigan branco por cima e sandálias nude. Não queria passar a impressão que ficara tempos me arrumando, embora tenha sido exatamente isso que eu fizera. Coloquei um pouco de gloss, talvez eu devesse complementar o look com uma faca, pensei.
Então ouvi alguém bater na porta. Meu coração deu um pequeno salto. Ultimamente carregava comigo essa sensação de medo e ficava sempre esperando algo ruim acontecer. Todavia, desta vez eu estava esperando alguém, o que me fez relaxar. Dei mais uma olhada no espelho e fui atender.
-Chegou rápido! - Não havia ninguém lá. Encarei o corredor vazio, a animação que SE instalara dentro de mim murchando rapidamente. Olhando assim parecia um lugar realmente sombrio, principalmente por este ser um prédio muito antigo. Fechei a porta depressa. O lugar estava extremamente quieto. Olhei pela janela, as ruas estavam quase vazias, exceto por dois amigos, que conversavam distraidamente. Meu telefone vibra. É Cris.
-Oi Linda! Saudades, como você está?
-Oi Cris! Saudades também. Estou me adaptando melhor do que eu esperava! – Menti, sentindo uma pequena pontada de culpa.
-Que bom, amiga! Fico feliz por você.
-Como está o Carlinhos? Eu sinto tanta falta daquele garoto.
-Aaah. Eu sei, ele está bem. Cada dia descobrindo uma coisa nova. Depois vou te mandar umas fotos dele, pra você aliviar a saudade um pouquinho.
Mais uma batida na porta. Eu hesitei antes de abrir. Por que eu estou com tanto medo? por que desde que eu cheguei nesse lugar sinto que tudo aqui parece terrivelmente errado? A voz de Nathan chamando me fez suspirar aliviada.
-Obrigada querida, tenho que sair agora, falamos depois. Dá um abraço no Carlinhos. Se cuida.
Abri a porta devagar, percebi que minhas mãos estavam tremendo um pouco. Ele me olhou com um misto de curiosidade e algum outro sentimento que eu não consegui identificar.
-Você está bem? -Forcei um sorriso.
-Você não deveria fazer uma expressão de espanto e dizer como eu estou linda. -Ele me olhou demoradamente, o que foi suficiente pra me fazer ruborizar, sempre odiei o fato de ser tão transparente.
-Na verdade seria bem estranho, por que o seu nome já é Linda. E você está realmente linda, Linda. Espera. Se você está me fazendo dizer essas coisas, significa que é um encontro?
-Não, foi só uma referência ao clichê dos filmes adolescentes. Na noite do baile a garota se arruma perfeitamente e o cara chega com um buquê de flores e exclama como ela está bonita. Você nunca assistiu filmes assim?
-Por que você acha que eu assistiria filmes assim? - Encarei o homem diante de mim. Alto, forte, a barba feita recentemente, a blusa preta de gola alta, e o casaco azul marinho. Muito bonito, mas carregava um ar intimidador.
-Tem razão, não faz o seu tipo. Agora vamos. - Eu tranquei o apartamento e descemos as escadas.
-Primeiro as damas. - Ele abriu a porta do carro.
Eu me virei em direção ao prédio antes de entrar e olhei a janela do meu apartamento, todas as luzes estavam apagadas. Uma brisa fria soprou meus cabelos e eu senti todos os pelos do meu corpo se eriçando. Tem alguém ou algo lá. Eu não o vejo, mas sei que está me encarando, com órbitas vazias, preparando sua teia enquanto espera eu voltar.
VOCÊ ESTÁ LENDO
CIDADE SEM COR
HorrorApós a morte de sua avó, Linda decide recomeçar sua vida na pacata cidade de Black Hill. Mas ela vai descobrir que nem tudo sobre o lugar é tão tranquilo quanto parece ser.