IV

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Ele me conduziu até o carro dele -um camaro antigo, muito bem conservado- com um cuidado um pouco exagerado, o que me deixou de certo modo, incomodada, não estava acostumada com as pessoas cuidando de mim. Eu me acomodei no banco de couro, dentro do carro tudo era impecavelmente limpo e organizado, não havia pacotes de batatinhas, ou latas de refrigerante, nem mesmo um papel de bala, havia uma pequena coleção de cds de rock, The Beatles, The Rolling Stones, Led Zeppelin, AC/DC, Aerosmith.

-Era do meu velho – Nathan exclamou orgulhoso. -Meu avô o presenteou, quando ele completou 18 anos. Ele quis me dar um novo, quando eu fiz dezoito também, mas esse cara aqui, sempre foi meu sonho de consumo. -Disse, dando um sorriso saudoso.

-É um carro e tanto! Você deve ter muito orgulho dele. -Ele deu um suspiro.

-Se tenho. -Ele girou a chave na ignição e por um momento o carro não quis pegar. Ele arqueou a sobrancelha, espantado. Ele tentou mais uma vez, e o veículo não se mexeu, e por fim, na terceira tentativa, voltou a funcionar. Ele deu uma risada nervosa. -Essas coisas sempre acontecem quando estamos mais apressados, não é?

-Como nos filmes de terror? – Eu disse tentando soar divertida, mas percebi que não havia riso na minha voz.

-Exatamente como nos filmes de terror, só que de dia. -Um silêncio desconfortante pairou entre nós. E antes que eu possa pensar em algum assunto pra iniciar uma conversa, o policial interrompeu meus devaneios.

-Então, onde fica a sua casa? – Eu expliquei exatamente onde ficava, observando que ele franzia um pouco a testa.

-Vou começar a lecionar no colégio amanhã. -Disse tentando puxar algum assunto, Nathan permaneceu concentrado na estrada adiante antes de dizer.

-Então você é professora. Verá que as crianças daqui são muito amáveis e esforçadas, tenho certeza que irá gostar muito.

-É, faz pouco tempo que estou aqui, mas já aprecio muito a cidade. -Ele me ofereceu um sorriso sincero.

-Fico realmente feliz. Eu também amo esse lugar, mesmo com todas as peculiaridades e estranhezas. - Uma risada me escapou e ele me olhou curioso.

-Ora, é uma bela descrição da sua cidade. -O policial deu de ombros e continuou dirigindo.

-Chegamos, senho... Linda. -Parecia um pouco sem graça, após se levantar do assento do motorista, gentilmente me ajudou a descer.

-Ah, não precisa. Acho que consigo ir sozinha daqui. -Eu tentei me firmar, mas o chão parecia balançar sobre os meus pés.

-Vamos, Linda. Eu te levo lá, tenho certeza de que amanhã estará se sentindo melhor. - Nós subimos alguns degraus, era um prédio antigo, por isso não tinha elevador.

-Eu moro no apartamento 7 do segundo andar. -Peguei minhas chaves e abri a porta com um certo esforço. Nós entramos e eu me sentei no sofá.

-Está bem assim? -Nathan me perguntou.

-Sim. Obrigada. -Eu hesitei. -Você gostaria de algo para beber? Um chá, um suco?

-Chá está bom pra mim. Mas acho que eu deveria prepará-lo.

-Ah não. Não se incomode, eu posso fazer isso. -Ele refletiu por uns instantes.

-Não, não pode. Você mal se aguenta em pé. Deixe isso comigo.

Do sofá eu o observei. Ele parecia mais forte agora q tirou o casaco, consigo ver seus músculos através da blusa, talvez por que minha visão ainda estava um pouco desajustada, quando o vi pela primeira vez. A pele pálida, possivelmente por causa do clima frio da cidade, enfatizava o negro dos seus olhos, que combinavam perfeitamente com seus cabelos, também negros, a barba por fazer lhe concedia um ar fresco, que o fazia parecer mais jovem do que provavelmente era.

Ele trouxe o bule que era da minha avó, com duas xícaras de porcelana, que eu ganhei de Cris, antes de vir morar aqui. Então me ofereceu uma delas.

-Açúcar?

-Claro. - Ele riu. Então você é das minhas. -Mas voltou a ficar sério de repente, algo nublava sua expressão descontraída de antes.

-Tudo bem? -Eu tomei um gole do chá.

-Claro. Mas tem algo que precisamos falar. Sobre a cidade. -Ele ergueu um pouco a sua xícara e depois repousou ela no pires novamente. Eu o encarei tentando não demonstrar ansiedade e esperei que Nathan continuasse a falar.

-Então?

-Depois que você chegou aqui, você viu algo- O telefone toca, interrompendo nossa conversa. -Me desculpe, eu preciso atender.

            Assustador? Suspeito? Peculiar? Estranho? Curioso? Bizarro? Tudo em que eu não costumava acreditar.

            Eu fiquei tentando imaginar qual dessas palavras ele usaria para terminar a frase que não pode ser concluída. Eu odeio quando algo é interrompido no meio de uma frase ou de uma palavra, faz com que a gente se pegue imaginando os resultados. E gosto menos ainda de imaginar como as coisas poderiam ser, ter que me prender a um monte de possibilidades, me trazendo uma sensação de dever não cumprido. Sou muito lógica, na verdade, prefiro acreditar que faço o melhor com o que tenho. Depois de alguns minutos ele retorna.

-É um assunto de urgência. Eu preciso resolvê-lo, mas foi um prazer conhecê-la, Linda. Este é o meu cartão, se precisar de qualquer coisa, não hesite em me ligar. Nós conversaremos em breve.

            Eu segurei o papel encarando os números, acenei com a cabeça e agradeci por ter me levado ao hospital e também por me trazer em casa. Mas a conversa que quase tivemos, fez meus pensamentos ficarem distantes.

-Não precisa agradecer, a segurança dos cidadãos de Black Hill é a nossa prioridade. Obrigada pelo chá. - Ele percebe que estou distraída. -'' Você está pensando em alguma coisa, minha querida, isso faz com que você se esqueça de falar." - E a porta se fecha atrás dele.

-Lewis Carrol.

            Eu dei uma risada. Esse cara é inacreditável. Preciso do meu celular pra salvar o número dele nos meus contatos, pois eu com certeza vou ligar pra ele. Tem muitas coisas sobre as quais precisamos falar. Peguei a minha bolsa de cima da mesinha de centro, quando a abri, notei o pequeno pedaço de papel amassado que eu trouxe do hospital, por uma razão que eu mesma desconheço. Segurei firme entre as minhas mãos. Será que eu devo ler. Ah, vamos Linda, é só um pedaço de papel idiota, o que há de mais? Então por que eu estou tão apreensiva. Suspirei, a irritação tomando conta de mim e abri de uma vez.

CIDADE SEM COROnde histórias criam vida. Descubra agora