XIII

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Siena encarou Acien. O coração encolhendo. Havia algo de diferente nele, como se o garoto que criara, estivesse sempre usando uma máscara. Parecia mais com o pai do que com ela mesma.

-Oi mãe. Devo dizer que se saiu muito bem. Sacrificando tudo. Eu imaginei que não Seria forte o bastante pra fazer algo assim, mas você fez. Mesmo que isso a prendesse nesse estado tão lamentável. - Ele soltou um suspiro. – Graças a você agora poderei viver para sempre e a cidade permanecerá sobre a minha proteção e eu serei o seu herói.

Estava tudo bem, até aquele homem, a quem eu nunca pude chamar de pai aparecer por aqui. Eu sempre quis despedaçá-lo e imaginei que seria a oportunidade perfeita, eu só precisava que você acreditasse que tinha perdido tudo.

Desde que comecei a estudar os seus livros eu descobri que o mundo pode ser o que eu quiser. Claro, desde que hajam sacrifícios. Mas não há nada que não se possa conseguir, desde que se tenha a matéria primordial do universo. Almas.

-Você?

-Me comparando com o papai de novo. Ah por favor, eu nunca teria a abandonado sozinha no momento em que mais precisasse. Acha mesmo que eu sou assim? Desde sempre, eu a observei. Parecia tão triste, sempre olhava a lua, como se ela fosse lhe dizer que ele voltaria pra você. E não há nada mais patético do que depender dessa forma de alguém.

Siena se mexeu desconfortável, as correntes que colocara em si mesma agora pareciam pesadas demais. Mas o peso daquelas palavras era muito superior, parecia esmaga-la.

-Eu não sou como ele. Eu o desprezo. Mas hoje eu descobri algo fascinante. O homem a quem Yohanna estava prometida e o homem que você amava são a mesma pessoa. – Ele deu uma gargalhada com um toque de insanidade.

Siena observou enquanto nuvens negras arrastavam um figura banhada de sangue até ela. O som dos pés roçando aquele chão de terra, a cabeça pendurada como se estivesse morto.

-Bem vindo, Sr. William.

-Não. – Ela disse mais para si mesma do que para Acien.

-Não? – A voz do garoto tremia de raiva. – Ele a destruiu. E você ainda quer que ele viva?

-Você também me destruiu... E eu ainda o quero vivo.– Ele cuspiu no chão e agarrou a cabeça dele.

– Eu já disse que eu não sou como ele! -Sua voz era como um rugido.

-Sabia que você não foi a única? Havia uma garota que trabalhava na casa da família, a pobrezinha se apaixonou e foi facilmente seduzida, depois de descobrir que ela estava grávida ele mandou deportá-la.  E agora ele queria machucar a única mulher que amei e sujeitá-la a uma vida que ela jamais desejou. Eu devo deixá-lo ir?

-Deixe-o ir. – A voz de Siena era vazia de qualquer sentimento. Não sabia se era por que estava amaldiçoada ou se as revelações puseram fim a qualquer vestígio de sentimento que um dia houvera ali.

-Há duas opções, ou você o mata ou eu o mato. Eu prefiro que seja você. Mãe, você é a mulher mais linda, inteligente e poderosa que eu já conheci. – Ela permaneceu em silêncio. Acien meneou a cabeça. -Veja a que estado chegou. - Suas mãos atravessaram o coração do homem a quem ele sempre direcionara seu ódio.

-Só aqueles que possuem o meu sangue estarão livres do jugo desta terra. Mas eles hão de nunca querer sair. E aqueles que ousaram invadir este lugar, aqui permaneceram como meu alimento diário. Enquanto suas almas imortais existirem aqui, eu também serei imortal.

-O que você fez? – Siena perguntou, enquanto o garoto a fitava carinhosamente.

-O mesmo que você ia fazer, mãe. Acho realmente que seria um desperdício sacrificar seu espírito desta forma.

-Mas não se preocupe, eu protegerei todos da forma que me ensinou. – Ele beijou sua testa. – Agora vou buscar Yohanna.

-Ela não vai voltar. – O garoto segurou o queixo.

-Tudo bem se ela não quiser, não vou obrigá-la. Não é como se eu não pudesse viver sem ela. Graças a sua experiência desagradável, eu aprendi a nunca me tornar dependente de alguém, além de mim mesmo.

Ele caminhou para longe dela, a fumaça negra o envolvendo como se fosse parte dele. O choro que escapou da boca de Siena ressoou nos lugares mais distantes da pequena  Black Hill, Ela se condenara e ao lugar que amara e jurara proteger e que agora teria de esperar por alguém que fosse forte - ou louco - o suficiente para enfrentar seu filho perdido.

CIDADE SEM COROnde histórias criam vida. Descubra agora