IX

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O primeiro dia de aula foi muito tranquilo, são duas turmas pequenas, uma com 21 alunos e outra com 18. As crianças daqui possuem uma educação impecável. É quase inacreditável, são curiosas e inteligentes. Adoram ouvir falar do mundo exterior, por isso ao final da aula eu dei um tempo de quinze minutos para que elas fizessem perguntas sobre diversos lugares.

Fiquei impressionada pelo fato de que algo tão simples era capaz de alegrá-las consideravelmente, depois de alguns minutos de conversa, eu descobri uma coisa estranha sobre as pessoas daqui. Mais uma. Os pais daqui não permitem que seus filhos tenham acesso á internet até que eles estejam formados, ou trabalhando por conta própria. Isso me incomodou, pelo fato de vivermos no século XXI, na era digital.

Depois da minha aula, decidi ir ver a biblioteca do colégio. Ouvi rumores, de que ela já estava aqui antes de a escola ser fundada. É uma sala gigantesca. Ornamentada com mesas de mogno e estantes antigas, com detalhes remetentes a época vitoriana, há um grande lustre no meio da sala, as janelas grandes permitem que a luz adentre deixando a sala iluminada por inteiro, mesmo assim, como tudo o mais nesta cidade, há algo de sombrio aqui. O ar gelado me envolveu e eu lamentei ter deixado o casaco na sala dos professores, me aproximei do bibliotecário, que era um pouco diferente do que eu esperava, bem mais jovem, cabelos claros e um sorriso contagiante.

-Bom dia, senhorita Carter. Espero que esteja apreciando a nossa cidade. -Eu soltei um risinho sem graça. Tentando ao máximo ser educada.

-O senhor nem imagina... -Ele acenou divertidamente com a cabeça.

-Bem, em que posso ajudá-la? – Eu pensei por um momento.

-Quero ir até a seção de livro históricos.

-Claro. Eu imaginei. Fica no corredor 15. – Eu agradeci e caminhei lentamente até o local.

Meus olhos se demoraram estudando os livros ao longo do caminho, era realmente uma biblioteca muito rica, eu me aproximei da seção de históricos e vi um senhor que estava lá, ele me encarou por um instante, então sorriu.

-Bem vinda professora Carter. Há algo em que posso ajudá-la?

-Obrigada, senhor, é muito gentil. Pra ser sincera, eu sou a nova professora de história daqui, como já deve saber, me mudei recentemente e a cidade parece guardar tantas histórias antigas, eu gostaria de conhecer mais sobre o lugar.- Ele apertou os óculos e me fitou com uma espécie de brilho nos olhos, havia algo de intimidador em sua expressão.

-Eu imaginei que alguém com interesses como os seus viria aqui rapidamente.

-Bem, se me permite dizer, o lugar tem se mostrado bem estranho e pouco acolhedor. Mas as pessoas são gentis e as crianças adoráveis.

-Sabe professora, as pessoas permanecem tão alheias na correria de suas próprias vidas, que acabam esquecendo que existem forças superiores, algumas são boas, mas outras... Seja como for, mantenha a mente aberta, é o que eu sempre digo. Se insistir em fechar os olhos para as coisas que precisa enfrentar, vai cair por terra.

-A propósito, tem um livro que se chama A história de Black Hill... – Vi seus olhos se arregalarem e boca formar um grande O.

-Fale baixo menina! – Ele segurou meu braço com força e sussurrou. – Ela pode estar vendo, ela sempre está.

-Mas ele fica me perseguindo, e eu sei que parece loucura. – O velho deu uma gargalhada.

-Loucura é? Bom suponho que deva ser, nesse caso somos todos loucos, mas escute, apenas ignore a existência dele. Como se fosse um objeto de decoração, ou apenas mais um livro que você não gosta. E de maneira alguma o leia. Está me ouvindo? Nunca abra aquele livro.

-Entendi. – Sua expressão permanecia alterada, os olhos brilhavam como se estivesse prestes a enlouquecer. Eu quis sair dali rapidamente, quando sua face enfim se suavizou.

-Bem, há muitas coisas sobre esse lugar que você pode conhecer. Mas a história dela, não deve ser lida e nem contada. Nunca esqueça disso senhorita Linda. Posso perguntar o que a trouxe aqui?

-Minha avó nasceu e cresceu aqui. Ela sempre me falava sobre o lugar de forma tão saudosa que eu imaginei que seria bom conhecer. – Que decepção, nunca me senti tão enganada.

O homem permaneceu em silêncio, percebi a tensão que se formava em seu rosto, como se eu tivesse acabado de dizer algo que ele não compreendia.

-Posso perguntar o nome dela? – seu olhar estava distante.

-Seu nome era Anna. – Sua face permaneceu sem expressão, até que um quase sorriso ameaçou surgir em seu rosto.

-Volte para os seus livros. Preciso limpar e limpar. – Ele disse se retirando e me perguntei se eram sinais de senilidade, ou se era uma forma nada sutil de evitar minhas perguntas.

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