Depois que retornei para a minha casa ignorando a sensação de sempre, eu decidi que precisava ir a fundo nesse mistério, a forma como me davam explicações era pouco detalhada e só havia uma forma de descobrir a verdade. O livro. Eu ia lê-lo. Definitivamente.
Caminhei decidida observando as pessoas que passavam na rua, a maioria parecia completamente normal e alheias as preocupações que me cercavam. Meus passos se tornaram mais firmes e barulhentos, ouvi o salto batendo no chão. Um jovem passou apressado por mim e acenou com a cabeça oferendo um sorriso, eu sorri de volta e ele pareceu espantado pelo meu gesto, mas seguiu seu caminho.
Me aproximei da entrada do prédio e o porteiro cujo o nome eu ainda não descobrira me encarou por cima dos óculos, ele lia um jornal enquanto uma caneca de café fumegava ao seu lado. Ele dobrou o jornal e o depositou na mesinha.
-A senhorita precisa de alguma coisa? – Ele perguntou, mas não havia gentileza em sua voz, apenas uma apatia estranha e um pequeno traço do que eu julgara ser curiosidade.
-Não, estou bem.
-Pois não parece. – A insistência dele me pegou desprevenida. Eu observei o crachá dele, seu nome era Arthur. Pigarreei me sentindo estressada por toda a situação recente e principalmente por ele estar se metendo em algo que não lhe dizia respeito.
- Sr. Arthur.
- Nosso Senhor está no céu, me chame de Só de Arthur. – Ele se levantou e me serviu uma xícara de café quente, depois me ofereceu um banquinho.
-Obrigada. - Me senti um pouco desconcertada pelo estranho gesto. O porteiro se acomodou próximo a mesinha onde depositara o journal e cruzou as mãos enrugadas.
-Problemas de adaptação?
-Parece que todo mundo sabe. – Ele deu uma gargalhada, notei que faltavam alguns dentes e aqueles que restavam estavam todos amarelados, mas isso não o impedia de estar rindo verdadeiramente, de repente aquela figura magra e enrugada do senhor que guardava o portão me pareceu estranhamente reconfortante.
-Todos sabem. – Ele retirou um cigarro do bolso da camisa. – Se importa? - Apenas balancei a cabeça para que ele prosseguisse.
-Todos eles sabem. Mas há aqueles que preferem ter de lidar com as consequências todos os dias do que enfrentar o olho do furacão.
- Por quê?
-Porque é mais fácil. E talvez eles tenham medo. Medo de descobrir a verdade.
- Que verdade? – Eu perguntei com a mesma sensação de antes.
-Talvez eu tenha me expressado mal, o que eu quis dizer é que encarar uma verdade que você passou vidas negando para si mesmo, é assustador.
Me levantei em um sobressalto, o coração batendo rapidamente e me preparei para sair, então por alguma razão inexplicável senti que precisava falar.
-Eu vou ler o livro. – Seus olhos demonstraram um brilho suave, mas ele não parecia realmente assustado. Sua reação quase me frustrou, achei que ele diria que era loucura. Mas em vez disso sua boca se curvou em um sorriso gentil.
-Que ótimo, eu sempre quis alguém para falar sobre ele. – Seu comentário me pegou de surpresa, pensei em um monte de perguntas que eu gostaria de fazer, mas sua concentração estava totalmente presa no jornal. E eu senti que era melhor guardar minhas dúvidas para quando Arthur parecesse mais disposto.
Subi os degraus ainda disposta a ler aquele livro amaldiçoado não importa o que custasse, abri a porta certa de que aquela presença assustadora continuava ali, mas eu não a sentia da mesma forma perturbadora de antes. Fui para o banheiro e tomei um banho demorado, deixando a mente vagar distraidamente.
Comecei a pensar em toda a história que ouvira e a me perguntar por que o Nathan sempre estava resumindo a história, Seja lá como for, eu sinto que há muito mais, e se ninguém quer me contar, descobrirei por mim mesma. De repente de dentro do meu ser brotou uma vontade absurda de começar a rir.
Suspirei na certeza de que mais alguns dias e eu perderia qualquer gota de sanidade que algum dia eu julgara ter. Fui até a cozinha e preparei alguns legumes cozidos no vapor, macarrão e frango grelhado.
Encarei a grande janela e senti aquele peso no ar, eu não sabia dizer se a história era real da forma como me contaram, mas sabia que era sombria, coisas horríveis haviam acontecido aqui. E talvez ainda acontecessem.
Depois de terminar o jantar, eu peguei o livro que permanecia repousando sob a cabeceira da minha cama, como se ali fosse o lugar onde pertencesse. Deslizei a mão sob a capa de couro e sorri como uma criança que estava prestes a fazer uma grande descoberta.
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CIDADE SEM COR
HorrorApós a morte de sua avó, Linda decide recomeçar sua vida na pacata cidade de Black Hill. Mas ela vai descobrir que nem tudo sobre o lugar é tão tranquilo quanto parece ser.