Está tudo bem... Podia sentir o positivismo no ar, sentado em meu sofá, com a cabeça baixa, coberto pela sombra que me espreitava, pude perceber a vontade daqueles que me enviaram a esta terra. Minha perna balançava freneticamente. O calcanhar do meu pé direito batia de forma incessante e desproporcional, criando um a harmonia rítmica entre o sapato social que calçava e o piso rígido embaixo de mim.
Massageei a cartilagem de meu nariz, raspando os calos ásperos de minhas mãos na própria pele seca e rígida que residia na região das narinas, lento e sereno em cada movimento que eu fazia. Gostaria de ficar sentado ali para todo sempre. Contudo preciso aceitar meus erros e aguentar as responsabilidades.
Não sei se consigo resolver as consequências das escolhas que tomei... Era o certo a se fazer? Acredito que nem preciso perguntar... Os estofados daquele móvel eram tão desconfortáveis de se sentar. Não conseguia ficar muitos minutos parado nele. Minha cama sempre foi mais suave e leve, bem diferente daquele sofá idiota e podre que ainda mantinha em casa... Uma pena que a cama estava ocupada naquele momento. Será que posso gritar tudo que minha garganta ainda esconde? Gostaria de ter o direito a esta ação, se ainda estivesse entre os verdadeiros... O pavio de desabafos e sentimentos entalados explodiria se eu tivesse a oportunidade.
Desisti de massagear meu rosto e paralisei, ficando numa posição em que minha palma apoiava a parte inferior de meu queixo, pensativo e reflexivo sobre certos momentos imprecisos de minha mente nevoada de episódios estranhos.
Os pelos da barba grisalha que cobria o meu rosto, arranhavam a alma de quem tentasse encostá-los. Havia um tempo que não cuidava dela, anos, se não me engano. Larguei o meu estilo de vida. Acho que larguei a vida, no geral.
É estranho estar de frente para a televisão e não querer ver o noticiário para, assim, ficar ciente dos acontecimentos horríveis que o nosso mundo esconde? Perdoe a longa pergunta. Sou um fanático por esconderijos. Qual seria o melhor lugar para se livrar de tudo e de todos? Um guarda-roupa? O porta-malas de um carro? Um rio? Infinitas possibilidades para uma ação única.
Aquela gravata vermelha enforcava o meu pescoço arroxeado, hematomas de uma briga feia que tive dias atrás... O que eu podia fazer? Aquele desgraçado começou a me socar sem explicação!... Ah! Agora que me lembrei do motivo de tamanha violência: a irmã dele! Diria que ela foi uma bela dama de fato, das melhores... nem precisei pagar uma grande quantia por seus serviços.
Por que de noite o sentimento dentro de nós fica frio? Sou só eu, ou a frieza transforma as pessoas? Ela devia estar congelando dentro do quarto, visto que me esqueci de cobri-la com um pano velho... Agi de forma errada? Não... Creio que este sempre foi o meu verdadeiro talento.
Os últimos meses foram complicados, mas nunca vi o passar do tempo desse jeito. Para mim, estava perfeito, quase divino! Acordava disposto a continuar tentando, mesmo que ficasse perdido perante as outras pessoas. Nunca gostei muito de conversar com elas, com ninguém, na verdade.
Mãe e pai, viram o que eu fiz? Gostaram da minha escolha de vocação? Sei que adoraram... Uma pena não terem tido a oportunidade de me ver brilhar suficientemente. O meu motivo foi finalmente revelado! As merdas feitas anteriormente, se converteram em belas artes de um homem saltitante e feliz. Precisava esconder o que eu fiz dos outros? Por que eu esconderia algo tão incrível, algo que eu acabei de descobrir, algo que nasci pra fazer?! É mágico!
Levantei-me eufórico do estofado, caminhando alegremente por todos os cômodos, procurando o trajeto que eu deveria seguir se quisesse encontrar a pintura que eu havia realizado naquele dia... e... ali estava! Uma criancinha, que nem alcançou a puberdade, e uma velha decrépita, que mal fodia igual as outras meretrizes que paguei na noite passada a tal acontecimento. Representações puras do meu "achismo passional", pintadas por uma coloração vinho que ficou seca depois de uma semana.
Não é mágico ver as entranhas saírem para fora, como vermes gigantescos que se alimentam de seus estômagos? Ou que tal os ossos e crânios expostos? Estes, acompanhados por cabeças cortadas e pregadas diante da parede, onde o sangue seco largou seu rastro magnífico. Melhor ainda! Os corações, meus caros! Corações que palpitavam, antes de virarem as minhas obras de arte, tirados de peitos estufados ainda não desenvolvidos e de seios "amamentados" pelo leite que ainda espirrava de cada bico.
Podia até ser um artista em ascensão, é verdade. Contudo vivo me perguntando se foi a melhor escolha que eu poderia ter feito para um quadro diferente. Pensei muito sobre a decisão tomada por mim, antes de ter finalizado a pintura de forma definitiva. Revirei meus pensamentos, até que uma luz se fez presente: A obra não é finalizada sem o toque especial do autor... Genial!! Isso sim seria a expressão mais magnífica que um artista poderia ter durante todos os anos da minha vida.
Tirei uma 9mm do bolso de minha calça preta, respingada de excrementos que não ouso falar nem o nome. Carreguei-a com as balas que ainda restavam. Caminhei entre os delitos de um artista iniciante, que jogava tinta para os cantos como uma criança desajeitada. Ajoelhei-me. Apontei a ponta do cano para minha cabeça... E puxei o gatilho. Fim da pintura que eu gostaria de ter chamado de "Casa da felicidade"!
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O que as cartas me escondem
Korku(CONCLUÍDA) O Tarô sempre teve suas cartas, desde o tempo em que os reis ainda permaneciam entediados, por conta de seus largos castelos esconderem entretenimentos variados. Portanto, decidiram começar a jogar cartas, repletas de desenhos e signific...